sexta-feira, agosto 25, 2017

(DL) A modernidade de Balzac ao assumir a cidade como personagem

Nunca fui um entusiasta da obra de Honoré de Balzac, embora tenha chegado á adolescência com o lançamento de uma coleção dedicada à sua «Comédia Humana». A ideia que dela então me ficou foi a de um conjunto de enredos muito datados, aos quais preferiria os de Zola, politicamente mais consequentes para a época então vivida (o final dos anos 60).
Agora, ao ler um dos capítulos do «Porquê Ler os Clássicos», Italo Calvino dá-me razões para vencer o preconceito e talvez reensaiar a leitura de uns quantos volumes na biblioteca cá de casa ainda por serem abertos verdadeiramente pela primeira vez. Mesmo que «Ferragus», aquele sobre que o ensaísta italiano se debruça neste texto de 1973, não seja um dos que me esteja, de imediato, acessível.
Calvino realça no romance em causa a capacidade para “representar os bairros e as ruas como personagens dotadas cada uma de um carácter em oposição aos outros”.
O verdadeiro protagonista não é Auguste de Malincour nem o que dá título ao livro mas a cidade viva, o monstro Paris. É claro que existe o super-homem que se vinga da sociedade de que foi banido transformando-se num demiurgo inatingível inspirador da posterior chegada dos Montecristos ou dos Fantasmas da Ópera à Literatura das décadas seguintes. Mas Balzac quase esquece a intriga e deixa-se fascinar pelo poema topográfico de Paris. Calvino intui ter sido ele o primeiro a compreender-lhe a linguagem, a ideologia, capaz de condicionar todos os pensamentos, palavras e gestos: “toda a força romanesca está apoiada e condensada pela fundação de uma mitologia de metrópole. Uma metrópole em que também cada personagem, como nos retratos de Ingres, parece o dono do seu próprio rosto”.
Será o direcionamento dos personagens para o espaço em que evoluem e que os irá condicionar, que faz de Balzac um autor de rutura com os cânones até então seguidos para a criação do romance.

Sem comentários: