terça-feira, agosto 08, 2017

(DL) Esconjurar o silêncio nos fiordes?

Passados quase trinta anos a Elza ainda refere o glaciar de Briskdall como um dos sítios mais maravilhosos onde pousou os pés. Foi na Noruega e ali  esteve com a nossa filha, ainda criança, enquanto eu ficava retido a bordo do paquete «Funchal» com inadiáveis trabalhos na casa das máquinas. Por isso, desde então, se há sítio onde ela confessa que gostaria de regressar, levando-me consigo, será inevitavelmente esse. Porque nunca teve uma tão grandiosa sensação do silêncio. O silêncio absoluto, aquele que se tornou omnipresente pela total ausência de qualquer outro som. Ou talvez não, porque, anos mais tarde, lembraria um som abafado e constante, muito aproximado com o que os lamas tibetanos emitem nalguns dos seus rituais e que a nossa filha identificou como o mesmo referido em certos trabalhos científicos como o produzido pela Terra no seu movimento de movimento de rotação.
Vem isto a propósito de um belo artigo de José Riço Direitinho no «Público« de hoje sobre o escritor Kjell Askildsen, que dá desse mesmo silêncio uma outra versão: a da asfixia, que só apetece esconjurar.
Em vez da beleza da magnífica paisagem, estão em causa os cenários íntimos de casais em desagregação para os quais vigora a regra de “quando uma pessoa fala nem sempre querer dizer qualquer coisa”. Existem rancores, que se traduzem em tensões a roçarem a insuportabilidade. E esse é o paradoxo: nós que recordamos os fiordes como visões mágicas em que qualquer tentativa de descrição arrisca abusar nos superlativos, pode ser para outros, para os que ali são mais do que meros turistas, um horizonte de clausura, de anseio por uma liberdade que inacessível.

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