terça-feira, agosto 15, 2017

(EdH) O palpitante assassinato de Ronald Opus

Desde 1994 que a Internet tem sido palco de uma história falsa, ainda que assaz imaginativa, sintetizável em poucas palavras: um homem quis-se matar atirando-se de um décimo andar. No entanto, quando ainda mal começara a queda para o abismo, um disparo de arma gerado por uma discussão doméstica num piso inferior, mata-o antecipadamente com uma bala alojada na cabeça.
A singularidade do caso deveria acautelar os que tendem a ser mais crédulos e a aceitar como boas todas as notícias que lhes chegam, mesmo de canais pouco fiáveis, mas tornou-se tão popular que Paul Thomas Anderson inseriu-o no argumento do seu premiado «Magnolia», depois replicado num episódio da série «CSI Miami» e num jogo para Playstation.
A morte desse Ronald Opus merece ser, porém, aprofundada na razão porque se tornou conhecida. Quem concebeu tal estória foi Don Harper Mills, um conceituado jurista forense, que chegou a presidir à respetiva Academia Americana. Aconteceu que, em 1987, estando convidado para uma conferência resolveu criar um caso de estudo em que um aparente suicídio revelava-se um potencial homicídio.
Sobre a intenção de Ronald em matar-se não sobrava qualquer dúvida, porque os detetives incumbidos do caso haviam-lhe encontrado uma carta de despedida fechada pouco antes de se atirar do 10º piso.
O que o suicida não esperava era tombar apenas dois pisos abaixo, numa rede ali esticada pelos operários de construção civil incumbidos de obras na fachada do prédio. A intenção de suicídio teria falhado se o cadáver não apresentasse uma bala alojada no cérebro.
Procurando o autor do disparo os detetives encontram-no no nono andar na pessoa de um velho cujas disputas com a mulher acabavam invariavelmente com ele a apontar-lhe a pistola descarregada. Só que, sem que soubesse como fora possível, o casal desavindo surpreendera-se com o disparo efetivo da pistola, que não tinha acertado na anciã por mera sorte, mas estilhaçara a janela ali mesmo ao lado.
Nessa altura os detetives estavam decididos a levar o velho acusando-o de homicídio involuntário. Mas um deles decidiu aprofundar o caso e descobrir quem pusera a bala no carregador, acabando por concluir quanto à responsabilidade do filho do casal, irado com a mãe por ela lhe ter cortado o habitual apoio financeiro. Torna-se óbvio, que a legitimidade para formular a acusação do homicídio de Ronald Opus, transferira-se para o filho do casal.
Mas o volte-face não tarda: esse suspeito de matricídio tentado e assassínio do vizinho do 10º andar não é mais do que este último: a razão do suicídio tinha sido precisamente a de Ronald não suportar a ideia de ter congeminado a morte da própria mãe, caindo em terrível depressão propensa a acabar com os seus dias.
No final o caso do suicida assassinado volta a reclassificar-se como … suicídio. Embora não tendo acontecido como pretendera, Ronald fora de facto o autor da sua própria morte.
Engenhoso caso para animar discussões forenses, é interessante saber como houve quem o utilizasse para dá-lo como real e o difundisse como tal. Mas convenhamos que, se as fake news fossem todas deste tipo não nos poderíamos queixar: os mais tolos acreditariam na sua veracidade, mas não estariam ainda manipulados para levarem por diante o condicionamento do voto dos eleitores para um qualquer Trump de circunstância...


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