sábado, agosto 26, 2017

Quando se trata de assumir a falta do Outro

Com quatro anos de atraso li agora «Os Níveis da Vida» de Julian Barnes, um autor que muito me comprazeria ver reconhecido com o Nobel da Literatura e decerto com bastante mais razão do que o mais recente, um bardo de canções conhecido como acionista da indústria de e travesti de quem começara como suposto ativista dos tempos de mudança, que parecia anunciar.
À escrita de Barnes, muito imaginativa na forma de expressar a evidente erudição, tudo se desculpa, até mesmo a forma como acentuou as dúvidas ideológicas de Chostakovitch no romance anterior, «O Sentido da Vida», que lhe valera o Man Booker Prize de 2011.
Neste romance em concreto a personagem principal demora a aparecer, mas compreende-se: o escritor terá sentido justificado pudor em trazer à cena Pat Kavanagh, com quem partilhara feliz conjugalidade durante mais de trinta anos e que, vitimada por doença incurável em 2008, lhe deixara um vazio doloroso, impossível de preencher.
Se já tivéramos com Joan Didion o testemunho comovente de uma perda sem solução - foi com «O Ano do Pensamento Mágico» - Barnes consegue ser mais impressivo, porque começa por focalizar a nossa atenção em três momentos heroicos do balonismo na segunda metade do século XIX: os protagonizados por Félix Tournachon entre Paris e Hanover em 1863, por Sarah Bernhardt em 1878 nos arredores da capital francesa e por Fred Burnaby em 1882 entre Dover e algures na separação entre Dieppe e Neuchatel. Se o primeiro ganharia renome bem mais merecido como fotógrafo primitivo sob o pseudónimo de Nadar, os outros dois viveriam uma história amorosa de grande fervor carnal, mas que, para pena do inglês só duraria umas semanas antes de se ver preterido por um rival no leito da mais famosa atriz da época.
Percebemos então o sentido do que Barnes nos quer revelar: a exemplo desses engenhos aeronáuticos, o amor sobe até às alturas possíveis, mas fica sujeito aos humores das circunstâncias. No caso do frustrado namoro de Burnaby, elas foram ditadas pela libertinagem fogosa de Sarah. Na sua história pessoal com Pat Kavanagh terá sido a saúde (ou a falta dela) de quem muito amou a ditar-lhe o fim. Razão para concluir como o faz na derradeira página: “ Não fomos nós que mandámos vir as nuvens e não temos poder para as dispersar. Só aconteceu que de algum lado - ou de nenhum lado - uma brisa inesperada surgiu e estamos de novo em movimento. Mas para onde nos leva? Para Essex? Para o mar do Norte? Ou, se o vento for de norte, então talvez, com sorte, para França.”.
Assim é a vida: gostamos de manobra-la na direção desejada, mas quantas vezes ela nos empurra ao sabor dos seus humores? E o pior pode surgir, como aconteceu com Julian Barnes, privado de quem mais precisava...

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