quinta-feira, agosto 17, 2017

(DL) Jean Rhys e as insanáveis dúvidas quanto ao sítio a que se pertence

Quando conheci a ilha de Dominica, nas Caraíbas, não a distingui grandemente de outras, que ali considerara semelhantes na exuberância da sua vegetação e no carácter quase selvagem das suas belíssimas praias. Na altura andava mal habituado: cirandando de ilha em ilha, deparava com cenários paradisíacos, como só viria a reencontrar depois nas Seychelles ou nas Maldivas. Não é fácil encontrar numa superfície ligeiramente inferior à de Portugal continental tantos rios e ribeiros ou seis florestas verdejantes.
Se sabia ter ali existido a exploração da escravatura como sustentáculo da rentabilidade das culturas do café, do cacau ou do açúcar, desconhecia ter sido ali que nascera uma das grandes escritoras inglesas do século XX, Jean Rhys, que se consagraria como uma das autoras de referência da escrita feminina desse período. Mais ainda, foi no ano do meu nascimento, 1956, que ela publicou o seu romance mais conceituado, «A Prisioneira dos Sargaços», que, embora situado no longo reinado da rainha Vitória, exprimia muito do que fora a insolúvel questão identitária da autora ao longo da sua vida. De facto, vivendo até aos 17 anos em Roseau, capital da ilha, Jean Rhys ainda ali pressentia os ecos dessa violenta forma de exploração humana. Embora condicionados pelos esforços de imposição da sua aculturação, os antigos escravos haviam conseguido preservar algo das suas tradições africanas na música, na dança e na gastronomia. Por isso mesmo olhava para a realidade à sua volta e encontrava-lhe expressões contraditórias em função das tonalidades da pele de quem as assumia.
Ela nascera dividida entre dois mundos: o da mãe, que provinha de uma dessas famílias de latifundiários sem escrúpulos relativamente á forma como haviam enriquecido, e o do pai, um médico, que servira na Índia e aceitara a transferência para aquela colónia inglesa na América Central. Na primeira Jean encontrava uma identidade crioula, mesmo que de pele alva, enquanto no progenitor, constatava a vontade de servir os outros, de tecer com eles elos de solidariedade. Politicamente essa visão refletia-se em posicionamentos distintos quanto à interpretação do passado, do presente e, sobretudo, do futuro.
A exemplo da heroína do seu romance Jean sempre verá sem resposta duas questões fundamentais: qual a comunidade a que pertencia? Qual o seu verdadeiro país? Essa estranheza fá-la-ia sentir-se desadaptada em todos os ambientes, que frequentava.
Mas essa singularidade complementava-se com a irrequietude em relação aos padrões definidos à sua volta para o que deveria ser o papel a mulher na sociedade. Jean Rhys não os aceita e nunca se cansa de, nos seus escritos, denunciá-los como limitadores do potencial que descobria em si e imaginava existirem no universo feminino.
Num mundo em que a globalização tende a diluir as questões identitárias e as conquistas femininas nunca deixam de ser postas em causa, a obra de Jean Rhys permanece atual e mereceria bem mais atenção do que vem tendo. 

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