terça-feira, agosto 15, 2017

(DIM) Revisitar Maupassant

À partida não teria grande interesse numa nova versão de «Une Vie», um drama de Maupassant sobre uma protagonista incapaz de se assumir como mulher adulta, e como tal, condenada à catástrofe. Recordo que a versão de Astruc, datada de 1958, com Maria Schell no papel de Jeanne, incomodara-me por a ver precipitar-se em erros sucessivos, primeiro casando com um oportunista apenas interessado no seu dinheiro, e que por isso a trai de forma quase compulsiva, depois sobreprotegendo o filho, que a desprezará e condenará à solidão. Convenhamos que não estaria disposto a sentir esse mal estar se não fosse Stéphane Brizé a assinar a realização. Com «A Lei do Mercado» ele tornou-se um dos mais interessantes cineastas franceses e será sempre interessante perspetivar como cada novo projeto possa constituir uma abordagem estimulante sobre as questões do dinheiro numa sociedade em que tê-lo ou não faz toda a diferença.
Há um outro aspeto aliciante a considerar na apreciação do filme, que está prestes a estrear-se com o título «A Vida de uma Mulher»: para além da história, Brizé assume enquadramentos completamente diferentes dos de quaisquer outros realizadores: nos planos decisivos, a protagonista é sempre vista de perfil e nunca de frente, de modo a deixar ao espectador o espaço necessário para recriar por si mesmo as emoções em causa. Ademais, invocando o percurso de documentarista, Brizé concebe cada plano como se fosse uma cena real em que a colocação da câmara obedeceria às respetivas contingências. Será, pois, natural, que nos desfocalizemos da intriga e nos disponibilizemos para uma atenção acrescida ao que nos possa suscitar estranheza na sua ilustração. Desde Brecht que sabemos quão importante é distanciarmo-nos da história em si para melhor lhe questionarmos o fundamento.
É essa a grande diferença entre um cinema convencional e o que escapa à entediante sensação de «déjà vu»: a pressentida sensação de estarmos a assistir a algo de original, de inabitual. E que, por isso mesmo nos desafia...



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