domingo, agosto 06, 2017

(DIM) Canto da Terra d’Água

Nos tempos livres, que lhe deixam os afazeres de tecer o linho ou cozer o pão, Adélia interpreta canções de inevitável cunho erótico: a mulher seduzida pelo soldadinho que lança uma maldição ao marido ausente na caça e cujo corpo deseja ver regressado, os olhos trespassados pelos cornos e com os cães a fazerem-lhe uma procissão; o aristocrata que anda a batalhar por Aragão e consegue autorização para voltar por uns dias aos braços da bem amada, mas cruza-se com uma criatura maléfica no caminho, que lhe anuncia a morte da desejada rapariga; ou a que foi enganada por um galanteador, entretanto entregue a outros amores.
David corta árvores para, com a madeira, esculpir máscaras e bengalas, contando para a câmara dos realizadores alguns dos mais famosos episódios bíblicos: a luta de David contra Golias ou a arca de Noé.
Em voz off Maria Virgínia escreve a um antigo namorado contando as vicissitudes da sua doença, provavelmente cancerosa, que a impede de com ele se encontrar nas festividades da região.
É em torno destes três personagens que, em 2009, dois estudantes italianos, Francesco Giarrusso e Adriano Smaldone, que o programa Erasmus trouxe a Lisboa, rodaram este belo filme nas paisagens austeras de Trás-os-Montes. Embora exagerando nos travellings, os realizadores captaram fotogramas, que eram autênticos quadros, e deixaram um testemunho de uma ruralidade em vias de extinção, porque apenas sobreviverá enquanto permanecerem vivos os velhos, que habitam em exclusividade as muitas aldeias decrépitas do interior.

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