segunda-feira, agosto 28, 2017

(DL) Gosto de ler os romances de Conrad apesar de...

Alguns dos romances de Joseph Conrad interessaram-me por ele testemunhar muitas das vivências colhidas na sua experiência de mais de vinte anos na Marinha Mercante. Ora, eu que acumulei duas dúzias de anos pelos mares e oceanos de todo o planeta, procuro-lhe nas páginas algumas semelhanças com as minhas próprias experiências. E colhi-as de facto nalguns casos: em «Tufão» reencontrei a força bruta dos elementos, poderosos demais para a fragilidade do casco, que lhe sofre os embates. Em «Shadow Line» revivi a sensação de dias e dias sempre iguais, entre os trópicos do Índico, com a máquina a direcionar a proa com exasperante lentidão para o cais onde nunca mais se parece conseguir chegar.
Há, porém, uma vertente ficcional de Conrad, que me irrita. Lembro-me, por exemplo, de «O Agente Secreto», que outro contumaz reacionário, Alfred Hitchcock, transformou num policial ainda do seu período inglês. Nesse romance o escritor de origem polaca espelha bem o horror que lhe merecia a possibilidade de viver uma revolução. E sem nunca ter contactado com um anarquista ei-lo a apresentar um espécime desse credo com o traço mais virulento de que foi capaz. Não terá sido impunemente que cresceu sob a égide de uma família de proprietários rurais da Polónia e frequentou depois, em Marselha, o ambiente dos exilados monárquicos espanhóis e dos ex-esclavagistas americanos.
Fascinam-me muitos dos personagens, que trouxe para os seus romances, ora traficantes europeus amarrados aos ambientes exóticos, ora os aventureiros falhados, que se convertem em párias, vagabundos ou maníacos. No seu «Porquê ler os clássicos», Calvino explica a razão para nos sentirmos atraídos por essas aventuras tomadas como pretexto para se dizerem coisas novas sobre os homens: “Conrad via o universo como uma coisa escura e inimiga, mas contrapunha-lhe as forças do homem, a sua ordem moral, a sua coragem”. E o mais estranho é que a suposta etiqueta aristocrática dos seus heróis positivos fazem muito mais sentido se os virmos como intérpretes dos valores ideológicos opostos ao que o seu autor professou.

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