terça-feira, agosto 22, 2017

(DIM) Antes da Revolução segundo Bertolucci

Nos anos que precederam a Revolução de Abril muito me forjaram os filmes, que via nas Quinzenas do Monumental ou nas Sessões do Império. Ali vi os primeiros Bergman ou os Antonioni, sem esquecer os da nouvelle vague. Mas havia a noção de sobrarem tantos e tantos filmes importantes, que a Censura nos impedia de conhecer. A esses só eventuais idas ao estrangeiro poderiam revelar-se acessíveis, mas elas ainda eram pouco frequentes e, no meu caso, restringiam-se a Espanha onde as limitações eram as mesmas.
Quer isso dizer que só vi Prima della rivoluzione de Bernardo Bertolucci doze anos passados sobre a sua realização. O que já era tarde para o tema ali desenvolvido; a Revolução, pelo menos a de abril de 1974 já passara e, dois anos depois, mergulhava-nos numa tal ressaca que só pensávamos como tudo estivera tão próximo de alcançarmos, mas deixáramos perder-se por conta dos defensores da liberdade dos mercados e do bonito respeitinho, que a todos impunha juizinho (O’Neill dixit!).
A exemplo de Fabrizio a minha orientação para a utopia igualitária não teria sido evidente à luz da classe a que pertencia: é verdade que os avós tinham sido camponeses ou proletários e o meu pai começara por trabalhar ao torno numa das muitas oficinas de Alcântara. Mas estudara, evoluíra, convertera-se num técnico com direito a automóvel e férias anuais em cada verão. A aposta de futuro residia em dar estudos universitários aos filhos e que estes não se metessem nas perigosas andanças da política. Por muito que ele próprio cultivasse a prática de ouvir clandestinamente as emissões radiofónicas vindas de longínquas paragens.
A identificação com Fabrizio contara com outra similitude: também eu tivera um professor de liceu que me alertara para uma realidade bem diferente da do salazarismo. Nunca deixarei de evocar a importância que o Padre Augusto Sobral teve na minha geração ensinando-nos a gostar das músicas do Zeca ou dando dos movimentos anticoloniais uma versão bem distinta da oficial, que os reduzia à ultrajante definição de turras.
Quer isto dizer que, aí por 1972, já andava a sonhar com alternativas bem diferentes, que levassem até ao desiderato ideal dessa intenção parisiense de procurar praias debaixo das pedras da calçada nos idos de 1968, altura em que também as universidades norte-americanas andavam imersas em gás lacrimogénio e em combates violentíssimos entre estudantes e polícia de choque.
Ao contrário de Paul Nizan suspeitava estar então à beira da mais bela idade, que se poderia ter.. Porque tudo parecia ser possível, tão forte parecia ser a vontade de acabar com todas as injustiças e desigualdades.
Onde o filme de Bertolucci me teria então incomodado seria na forma como Fabrizio desistiria do desígnio da sua vida e acabaria rendido ao tédio, mas também às mordomias da existência burguesa. Primeiro desvio de agulha fora a relação com a tia mentalmente fragilizada, mas capaz de dele se afastar, quando compreendeu o mal que lhe podia vir a fazer. Depois esse cansaço em ser-se quem não se é capaz de ser: em vésperas de casar Fabrizio reencontra a amada parente e compreender serem os anos antes da Revolução os que para ele podem significar maior doçura e satisfação…
Sem adotar essa condição burguesa com que o protagonista do filme se compraz no final - mesmo que com evidente desconforto!  - também me vi por essa altura obrigado a respeitar as imposições das circunstâncias. A vida familiar ganhou prioridade sobre o quixotesco desafio a moinhos de vento. Mas nunca terei perdido essa ética da transformação da realidade, que impusesse outros modos de vida, que não estes em que vamos sobrevivendo... 

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