sexta-feira, novembro 07, 2014

OLHARES: «O teto da discórdia» de Laurent Thiriat (2014)

Marc Chagall estava nos 77 anos e era tido como o mais francês dos pintores russos, quando aceita a encomenda do ministro da Cultura, André Malraux, para criar uma nova pintura para o teto do salão principal da Ópera Garnier.
A ideia surgira a 17 de fevereiro de 1960, durante uma homenagem ao presidente do Perú, que ali se deslocou para um espetáculo cujos cenários tinham sido criados precisamente pelo pintor.
Por natureza obcecado pelo seu trabalho, Chagall trabalha dia e e noite em esboços para cumprir a encomenda apesar da sua idade já avançada.
A Ópera era um monumento da época de Napoleão III e fora inaugurado em 1875 com uma escada sumptuosa a destaca-lo dos demais edifícios seus contemporâneos.
Era um edifício concebido como um espaço polícromo magnificamente iluminado, por onde o público deambulava para ver e ser visto como se ele próprio participasse numa exibição teatral.
A sala de espetáculos possuía uma acústica única que se associava à disposição do mobiliário para criar uma sensação de grande harmonia.
O teto original - aquele que Malraux queria substituir - era da autoria de Leneveu, um artista académico, que correspondera com um estereotipo da pintura decorativa da época e por isso não despertava a atenção de ninguém.
Malraux assumia com a encomenda a prossecução do seu objetivo: a cultura deveria ser feita para amar, não para ensinar. Era uma visão da cultura como democratização do prazer de ver, de usufruir. Por isso mesmo promovera a viagem da Mona Lisa até Nova Iorque em 1963 para aí ser exposta, logo seguida pela Vénus do Milo, que foi até ao Japão. Pretendia-se com esse tipo de ações consagrar e propagandear a França como símbolo de cultura.
Chagall será objeto de sérias desconfianças quanto à sua capacidade para agarrar o projeto. Uma campanha virulenta lançada pelo jornal de extrema-direita «Minute», aponta-lhe não só a origem russa, mas também a condição de judeu.
Chagall nascera de facto em 1887 numa família judia de Vitebsk na Bielorússia. Em 1910 viera para Paris à procura de um outro olhar para o seu talento artístico, deixando-se fascinas pela revolução fauvista, que fazia da cor um dos seus mais relevantes fatores de rutura com o academismo. Muito sensível ao Paris histórico, logo o toma como tema dos seus quadros. A Torre Eiffel, a Praça da Concórdia e a Ópera passam a surgir frequentemente nas suas telas.
Frequenta a animada tertúlia de pintores e escultores, que vivem em Montmartre, bebendo influências no cubismo a partir de 1911, embora nunca se chegue a considerar integrado em nenhuma escola. Apollinaire é um dos seus melhores amigos desse período.
A guerra de 1914 fá-lo regressar à terra natal e é nela que é apanhado pela Revolução Russa. Ele será um dos mais entusiastas participantes do movimento vanguardista de Moscovo da turbulenta viragem da década para os anos vinte. Acompanha-o Bella, a esposa, que será também a sua musa até morrer de uma infeção viral em 1944.
Desiludidos com a viragem operada em Moscovo, os Chagall regressam a Paris em 1923 e é aí que o jovem Malraux os conhece. nascendo daí uma amizade que nunca mais findará.
A obra encomendada para o teto da Ópera Garnier homenageia catorze dos maiores compositores aí representados, desde Gluck a Mozart, de Berlioz a Tchaikovski, sem esquecer Wagner ou Gounod. O próprio patrono da obra é objeto de uma veneração na forma da figura que espreita por trás de uma janela.
A inauguração da obra em 23 de setembro de 1964 num espetáculo para dois mil convidados será um dos grandes acontecimentos desse ano. Mas a polémica ainda perdurará: a associação representativa dos arquitetos britânicos contesta que um edifício tão coerente no seu estilo se tenha implantado uma obra tão claramente posterior. Encolhendo os ombros, Chagall respondeu: “se se gosta tudo é claro, se não se gosta que se pode dizer?”.


http://www.frequency.com/video/marc-chagall-le-plafond-teaser/192774898?cid=5-210304

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