Chegamos finalmente ao final da trilogia de Murakami.
É demasiado tarde que os dois guarda-costas do líder assassinado da seita Vanguarda compreendem a ligação entre o endereço onde tinham ido buscar o cadáver do investigador privado Ushikawa, que trabalhava para eles, e Tengo. Acorrendo apressadamente para ali, deixam o corpo do detetive numa sala frigorífica das instalações da seita, ninguém assistindo ao estranho fenómeno, que ali decorre: da boca dele saem seis homens minúsculos do Povo Pequeno, que logo crescem para cerca de setenta centímetros de altura. Para aí executarem a missão de que tinham sido incumbidos: “Foi assim que o Povo Pequeno criou uma nova crisálida de ar. Desta vez, ninguém cantou ou entoou um ritmo. Em silêncio, foram retirando os fios do ar, arrancando cabelos da cabeça de Ushikawa e - num ritmo constante e suava - teceram com destreza uma crisálida de ar. Pese embora a sala estar gelada, o seu hálito não se transformava em vapor branco. Se estivesse ali alguém a observar a cena, também estranharia. Ou talvez nem sequer tivesse reparado, dadas as outras coisas surpreendentes, que estavam a acontecer.” (pág. 489)
Por essa altura já Aomame e Tengo seguem de táxi pela autoestrada para Sangenjaya, aonde irão procurar a escada de emergência por onde ela acedera àquele 1Q84. E vai explicando ao namorado: “Viemos até este mundo para nos podermos encontrar. Não o percebemos, mas foi com esse fim. Enfrentámos toda a sorte de complicações: coisas que não faziam sentido, coisas difíceis de explicar. Estranhas, sangrentas e tristes. E, por vezes até coisas belas. Foi-nos pedido que fizéssemos um juramento, e nós jurámos. Submeteram-nos a provas duras, e nós ultrapassámo-las. Conseguimos cumprir o propósito que nos trouxe aqui. Mas, agora, o perigo aproxima-se. Eles querem a nina que trago dentro de mim.” (pág. 500)
Quando descobrem a escada de emergência e a sobem vão desembocar num mundo só com uma lua. Esses degraus propiciavam a passagem de 1Q84 para 1984, ou pelo menos para outro mundo que não aquele de que se despediam e onde o Povo Pequeno constituía uma imprevisível ameaça.
Aomame faz a síntese daquele momento muito especial: “Continuo sem saber que tipo de mundo é este (…) Mas seja qual for o mundo em que estamos, tenho a certeza de que é onde vou ficar. Onde vamos ficar. Este mundo também dever ter as suas ameaças, os seus perigos, e estar cheio dos seus próprios enigmas e contradições. Podemos ter de percorrer muitos caminhos sombrios, que nos conduzirão sabe-se lá aonde. Mas não faz mal, não há problema. Aceitarei este mundo tal qual é. Não irei a lado nenhum. Aconteça o que acontecer, é aqui que vou ficar, neste mundo com uma lua. O Tengo, eu e esta coisa pequenina.” (pág. 518).
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