segunda-feira, novembro 17, 2014

LEITURAS: «A Última Colina» de Urbano Tavares Rodrigues (4)

O conto «Aquém da Luz» fez-me recordar um dos principais responsáveis pela minha precoce tendência para defender um ideário de esquerda. De facto, dando aulas de Religião e Moral no liceu onde fiz todo o ensino secundário, ele era conhecido por frequentar muito regularmente as cadeias do regime, sobretudo naquelas datas mais problemáticas para os salazaristas e os marcelistas. O Primeiro de Maio ou o 5 de Outubro. E também era ele quem tinha a noção da importância em criar uma nova geração informada e contestatária e por isso mesmo alimentava círculos de discussão dos problemas candentes dessa altura: a guerra colonial, as manifestações do Maio 68 em França, os direitos cívicos nos EUA, etc.
Também foi por ele que cedo desemboquei no ateísmo, eu que já iniciara o liceu avesso à Igreja, dando-me a conhecer o pensamento estimulante de Bertrand Russel.
O padre Jerónimo deste conto de Urbano Tavares Rodrigues lembra em muito esse meu reconhecido Mestre. Habitando em Évora, as leituras e todo o percurso da Reforma Agrária também o afastaram da fé e, agora, com um distanciamento que guarda só para si, sente-se incapaz de acreditar num além ou numa qualquer existência divina.
Ainda assim muitos dos seus dias são ocupados com extremas-unções a gente das mais variadas condições, mas tendo em comum a incapacidade para serem felizes no amor: Adosinda, por exemplo, até fora quem o iniciara nos mistérios do amor, quando ele ainda estudava no seminário, mas escolhera a segurança do casamento com um comerciante, que se revelara um bêbedo e um agressor doméstico. Uma outra moribunda confessa-lhe à hora da morte ter conseguido assassinar o marido, que também a agredia regularmente, sem que ninguém desconfiasse dos reais motivos do seu óbito.
Asco é o que Jerónimo sente por um latifundiário que, mesmo pronto para exalar o último suspiro, está longe de se arrepender de ter sido um crápula para com os que tinha explorado nos seus campos e fábricas ou até para com a mulher e a filha, que o tinham abandonado por ele ter querido violar a miúda ainda impúbere.
Carente de afeição talvez a esperança para Jerónimo renasça na pessoa de uma jovem professora a quem «ressuscita» do leito de morte por muito que saiba dever-se o milagre à errada medicamentação, que lhe estava a ser ministrada.


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