O editor que convencera Tengo a reescrever o manuscrito de Fuka-eri sobre o Povo Pequeno e a Crisálida de Ar desaparecera durante umas semanas e voltara mudado quanto à afabilidade de que costumava dar mostras para com ele. Agora explica-lhe o que se passara: raptado pelos membros da seita Vanguarda, tinham-no deixado várias dias na indefinição quanto ao que lhe fariam. No momento de o libertarem exigiram-lhe o compromisso de nunca mais voltar a reeditar o romance, que tanto sucesso de vendas tivera, mas que em tantos perigos afinal o tinham metido. Durante esses dias passados nas instalações da seita, apercebera-se que o líder morrera e era o pai de Fuka-eri.
“Tengo não revelou a Komatsu que o romance que estava a escrever retomava o mundo de ’A Crisálida de Ar’. Suspeitava que o editor não ficaria muito satisfeito com a ideia. Com toda a certeza, os da Vanguarda ainda achariam menos graça. Se não tivesse cuidado, podia entrar num outro campo minado e implicar as pessoas à sua volta. Contudo, uma narrativa assume o seu próprio caminho e prossegue quase automaticamente, tem vida própria. Quer Tengo gostasse ou não, fazia parte desse mundo: para ele, deixara de ser um mundo fictício. Era o mundo real, onde o sangue jorra quando se faz um corte na pele com uma faca. No céu desse mundo havia duas luas, uma grande e outra pequena, ao lado uma da outra.” (pág. 332)
Tengo mal tem tempo de voltar a estabilizar os seus dias em Tóquio, porque volta a ser chamado a Chikura por o pai ter morrido. Surpreendido, descobre que ele deixara tudo preparado em vida quanto ao pagamento e à organização do seu funeral. E lega-lhe uma fotografia dele, com a mulher e com o filho, que não basta para elucidar o mistério do seu nascimento: seria ou não o seu verdadeiro pai?
De novo em Tóquio, Tengo sente desconforto no seu apartamento: “o relógio marcava a hora, silenciosamente; o calendário pendurado na parede indicava que se estava no último mês do ano. A sala parecia ainda mais silenciosa do que de costume. Um pouco silenciosa de mais. Havia qualquer coisa de excessivo misturada naquele silêncio. Se bem que podia ser tudo fruto da sua imaginação. Talvez fosse porque acabara de assistir ao desaparecimento de um ser humano. O buraco no mundo podia ainda não estar completamente fechado.” (pág. 425)
Ele não adivinha que, mais estranhamente, ocorrera um crime no rés-chão do seu edifício: quando estava quase a descobrir o paradeiro de Aomame, Ushikawa acorda uma manhã a ser asfixiado. Mas embora a morte se anuncie inevitável, uma voz masculina anunciara-lhe que não iria mudar de estado assim tão facilmente.
É só depois de lhe extrair todas as informações de que carece que Tamaru o mata. Uma dessas informações é o do número de contacto com os seus clientes da Vanguarda. Por isso liga-lhes a dar a notícia daquela morte e a dar-lhes a oportunidade de se desfazerem do corpo. E recebe o recado em como Aomame já não tem a recear qualquer perigo proveniente da seita. Pelo contrário, até pretendem falar com ela para conseguirem encontrar a forma de voltarem a contactar com o Povo Pequeno, cuja voz se silenciara desde a morte do líder.
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