O primeiro conto do livro chama-se «Judas» e tem por protagonista o diretor de recursos humanos de uma grande empresa, que se prepara para fechar portas a fim de reabrir noutro sítio, com outro nome, depois de se livrar dos que nela tinham trabalhado durante anos a fio.
Embora tenha feito parte dos mandantes da empresa, Jesualdo sente inevitáveis afinidades com os que sempre foram mandados. Por isso mesmo coloca-se a questão de se saber em que lado da barricada irá ficar: ali nos escritórios onde a administração está barricada e protegida pelas forças policiais, se lá fora onde os operários protestam contra o desemprego a que os querem condenar?
Urbano Tavares Rodrigues descreve o que vai na alma de muitos deles. Assim ao acaso exemplifiquemos com este trecho do conto: “Joana e Luís iam de mão dada. Agora caminham cabisbaixos lado a lado, abatidos, revolvem por dentro os seus sonhos amortalhados. Não terão nem o desafogo da casa nova onde coubessem à vontade eles e os dois filhos. Nem a motocicleta, nem as férias à beira-mar sempre diferidas. Férias de amargura, isso sim, a apertarem o cinto. Sequer a roupa nova que lhes faz falta. Nada de humano à vista, depois de tantos anos. Como é possível?” (pág. 14)
Pressionado pelo presidente da empresa, Jesualdo acaba por escolher junto de quem ficará, descendo para junto dos que protestam e o começam ainda a ver como inimigo. Um Judas. Mas depressa a confusão cresce com a polícia a carregar sobre os manifestantes. E Jesualdo acaba por ser retirado dali, desmaiado, depois de levar com uma granada de gás lacrimogéneo na cabeça.
Urbano acaba o conto na incerteza: “Amanhã, como será?” (pág. 17)
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