Ao contrário do que sucedera nos dois volumes anteriores, o primeiro capítulo do terceiro volume de «1Q84» de Haruki Murakami, intromete um outro personagem entre Tengo e Aomame, cujos passos havíamos seguido em capítulos alternados nos dois livros anteriores.
O primeiro capítulo deste volume focaliza-se em Ushikawa, o investigador que procurara subornar Tengo para que se dissocie de quaisquer novas tentativas de reedição de «A Crisálida de Ar». Encontramo-lo numa reunião com os dois guarda-costas do líder da Vanguarda, quando este fora assassinado e que pretendem as informações entretanto por recolhidas sobre o paradeiro de Aomame. Nenhum deles faz, porém, a mínima ideia quanto ao sítio onde ela se escondeu…
Mas o investigador não está disposto a render-se à evidência do seu fracasso: “De momento não tinha outro remédio senão investigar melhor a teoria segundo a qual a senhora de Azabu se encontrava por trás de tudo. A sua esperança era encontrar alguma falha e, a partir daí, conseguir chegar ao paradeiro de Aomame. O plano talvez funcionasse, talvez não. A seu favor Ushikawa contava com dois trunfos: um faro apuradíssimo e uma grande tenacidade. Quando se propunha seguir uma pista, a fim de resolver um imbróglio, nunca mais a largava”. (pág. 81)
Se no final do volume anterior, deixáramos Aomame em vias de se suicidar por não encontrar a “porta” de regresso a 1984, o primeiro capítulo a ela subordinado neste derradeiro livro da trilogia explica o súbito recuo na sua decisão: a recordação de Tengo no topo do escorrega do parque infantil junto ao apartamento, que lhe fora arranjado como esconderijo. Algo a incentiva a procura-lo, nem que isso a leve a furtar-se às orientações de Tamaru, o guarda-costas da sua cliente, que desejara vê-la rapidamente fora de Tóquio e com a aparência transformada por uma operação plástica.
Desconhecendo que Aomame espera que ele volte a aparecer no parque infantil, Tengo vai passar uma temporada na aldeia mais próxima da clínica onde o pai está internado. As manhãs servem-lhe para escrever um conto em que toma de empréstimo a Fuka-eri o Povo Pequeno e a Crisálida de Ar. Por ora a rapariga permanecia escondida em sua casa para a manter a recato dos seus perseguidores.
“Tengo não tinha a certeza de estar a agir bem. Se calhar andava só a perder tempo naquele quarto de uma clínica situada numa cidade costeira, longe de Tóquio e afastada da realidade. Apesar de tudo, não podia abandonar o barco. Naquele quarto vislumbrara, certa tarde, a Crisálida de Ar e, no meio de uma luminosidade ténue, a figura da pequena Aomame. Chegara mesmo a tocar na sua mão. Ainda que tivesse acontecido apenas uma vez ou que não passasse de uma visão efémera, queria ficar por ali enquanto lhe fosse possível, procurando reviver infinitamente no seu coração a cena que lhe fora dada a observar”. (pág. 95)
Algo de estranho acabará por unir Fuka-eri e Aomame nos respetivos esconderijos: ambas são sucessivamente apoquentadas por um cobrador de taxas da televisão pública, que bate violentamente às respetivas portas incentivando-as a abri-las para pagarem o que supostamente lhe devem. Ora o pai de Tengo desempenhara precisamente essas funções e não tardaremos a descobrir que, mesmo em coma, é um duplicado seu quem anda por Tóquio a repetir o percurso a que, muitos anos atrás, se habituara.
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