Quando chegámos ao pequeno largo onde estava combinado virem-nos buscar, já lá estava o Zé Maria, que conhecêramos de lides anteriores.
Porque vínhamos animados pelo que nos esperaria, falávamos alto, sem cuidar de quem nos ouvia. Até porque viéramos de norte e do sul, de leste e do oeste, para aquele que se anunciava como o Grande Encontro! Éramos muitos, mas confiávamos vir a ser muitos mais!
- Psiu! Eles andam por aí!
Pois é! Como nos distraíramos? Nós que íamos à procura das palavras certas, esquecêramos de quem no-las pretendia negar! Logo passámos a sussurrar as ânsias e temores que trazíamos, cautelosos com quem das esquinas pudesse surgir!
Decorreu um bom bocado até vir o autocarro. Lá dentro e entre outros vinham um padre, um menino, uma mulher que nos distribuiu um pão com queijo e uma água (“para o que der e vier!”) e um bêbedo disposto a partilhar connosco uma história sobre um homem que fora apanhar ostras.
Para que não dessem pelos caminhos por onde seguiríamos, as janelas estavam tapadas com capas opacas, impedindo que lá de fora se vissem as nossas luzes. Por entre estradas com muitas curvas lá chegámos ao local aprazado, no meio dos campos.
Só ao longe as luzes indiciavam a presença da vila ou do seu castelo!
Rapidamente entrámos para dentro de um enorme casarão, onde muitos outros já se encontravam. Também eles à procura das palavras.
Ao que iríamos assistir? Será que se cumpriria o receio de quem achava que a morte sempre encontra quem anda sempre à procura? Ou será que ela nunca acaba por os encontrar?
Há quem discuta à nossa frente, umas vezes gerando encontros, noutras ficando-se pelos desencontros!
No entretanto, e porque a noite iria ser longa, vieram as terrinas com a sopa, o pão, as azeitonas e os suspiros. Fruta para quem não queria açúcar.
Passámos então para outras salas, onde outros mais se nos iam acrescentando. E já sentíamos crescer a expectativa: será hoje? Ou hoje será só a fingir, porque afinal será para amanhã?
Cresce o entusiasmo em paralelo com a ansiedade. Todos quantos ali estão vivem o desejo de reencontrarem a manhã clara onde todos os sonhos voltam a ser possíveis. Já estamos tão cansados da escuridão e do medo, para não falar da pobreza que vimos a espalhar-se por todo o lado à nossa volta!
Queremos as tais palavras e que elas venham grávidas de esperança!
Por momentos acreditamos que o momento está a chegar. Basta ir acrescentando tijolos debaixo dos pés para que as palavras ganhem espaço por cima das nossas cabeças. Mas há quem afiance tudo se tratar de um ensaio para o que amanhã não falhará.
A força que em todos cresce - ouvem-se as cordas, os metais e as percussões a fazê-la expandir-se muito para além de nós - derrota a desilusão, que por um momento se instalou.
Temos para já uma resposta para connosco levarmos enquanto não chega esse amanhã: ninguém travará, de facto, aquele que anda sempre à procura!
(pequeno texto baseado na maravilhosa experiência teatral, que o Bando nos proporcionou pelo seu 40º aniversário, no espetáculo intitulado «Quarentena»)
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