sexta-feira, novembro 14, 2014

ÉCRÃ: «O Clube de Dallas» de Jean Marc Vallée

Que ninguém me venha com essa treta de se justificar a dissociação entre as posições políticas de alguém e o seu talento.
Por exemplo, Céline poderá ter sido um grande escritor mas o «Voyage au bout de la nuit», comprado há décadas, arrisca-se a permanecer intocável numa das estantes de minha casa, até que a morte me leve. É que se ainda acreditei na possibilidade de tomar umas pastilhas para evitar o vómito e ler aquele que muitos apontam como obra-prima da literatura, nunca me deu vontade de esquecer momentaneamente que o seu autor foi um colaboracionista nazi e redigiu textos odiosos sobre os judeus com cujo extermínio se parecia vir a regozijar-se.
Algo semelhante ocorreu com Vargas Llosa: apesar de ter conseguido ler «A Cidade e os Cães» e «Lituma nos Andes», nunca o conseguirei dissociar da sua condição de candidato de direita às eleições presidenciais peruanas nem de tudo quanto disse para denegrir Garcia Marquez.
Confesso ter tido durante anos grande desconfiança a respeito de Matthew McConaughey. Apesar de registado como democrata, os filmes em que entrava aproximavam-no mais do republicanismo de um Clint Eastwood do que de posições politicamente mais simpáticas de acordo com o meu ideário.
No entanto, depois de ter sido um dos «meninos bonitos» de Hollywood e de ter vivido a sua experiência radical de conhecimento com a realidade latino-americana, eis que voltou a Hollywood fisicamente transformado e, sobretudo, com uma capacidade de credibilização dos seus personagens, que até aí lhe desconhecera.
O entusiasmo com que o fui vendo nos vários episódios da série «True Detective» deveu-se muito a essa profundidade com que interpretava o papel de um polícia amargurado e obsessivo, mas capaz de levar até ao fim a descoberta da autoria dos crimes horrendos perpetrados algures nas margens do Mississípi.
O «Clube Dallas» não é um filme entusiasmante quanto ao seu tema: biografia de Ron Woodruff, que se destacou na procura de soluções eficazes para combater a Sida numa altura em que ela ainda era tida como doença de homossexuais, o filme deve todo o seu interesse ao desempenho de Matthew McConaughey e de Jared Leto. São eles quem consegue credibilizar a aproximação progressiva entre um homofóbico e um travesti, com a morte sempre a pairar como ameaça, quase tão temível quanto a representada pela indústria farmacêutica para a qual, toda a solução de cura distinta da que encara como promissora fonte de lucros, a leva a envolver a seu favor os organismos públicos, desde a FDA até ao sistema de justiça.
Ao invés de permanecer nome de cartaz, que me suscitaria inevitavelmente o desinteresse pelos filmes onde surgisse como protagonista, McConaughey passou a representar ultimamente uma garantia de qualidade para a qual passei a estar bem mais atento... 



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