No texto anterior tínhamos deixado Aomame protegida no apartamento, que lhe serve de refúgio e Tengo regressado a Tóquio depois do funeral do suposto progenitor. O perigo por que tinham passado - representado pelo investigador Ushikawa, que andava a espiar o escritor para poder chegar ao refúgio da assassina do líder da Vanguarda - já fora liminarmente cerceado pelo assistente da velha senhora, que a contratara para tal missão.
Já conhecíamos igualmente a gravidez surpreendente de Aomame. Agora, enquanto lê o livro de Fuka-eri ela chega a uma hipótese perturbadora: “Dentro do meu útero existe um calor subtil mas tangível, que está a emitir uma ténue luz alaranjada, exatamente como se fora uma crisálida de ar? Será que sou a mã e o pequenino é a minha nina? Será que a vontade do Povo Pequeno também se encontra envolvida nisto: no facto de estar grávida de Tengo, apesar de não termos tido relações sexuais? Foram astuciosos ao ponto de usurparem o meu útero para o usar como uma crisálida de ar? Usaram-me perante a possibilidade de conseguirem uma nova nina?” (pág. 417)
Tamaru revela-se de uma utilidade imprescindível: avisa Aomame da neutralização do perigo representado por Ushikawa e marca-lhe encontro com Tengo junto ao escorrega do parque infantil, tão só o consegue contactar depois de ter vindo do funeral do pai.
Excitado perante essa possibilidade, Tengo não deixa de se sentir desconcertado: “Muita coisa permanecia ignorada e misteriosa. Os fios de que se compunha a história eram complicados. Estava para além da sua compreensão perceber quais desses fios se uniam e que tipo de relação de causa-efeito existia entre eles. Pensando bem, desde que Fuka-eri entrara na sua vida, sentia-se a viver num mundo em que a quantidade de perguntas ultrapassava a de respostas. Mas tinha a vaga sensação de que esse caos se aproximava, ainda que tenuemente, do desenlace.” (pág. 468)
Nessa mesma noite, quando está de olhos fechados no topo do escorrega, sente uma mão conhecida agarrar-se à sua. A mesma que também o fizera muitos anos atrás, quando ambos eram colegas da mesma turma da escola primária. De repente é como se os vinte anos entretanto decorridos tivessem durado um mero instante.
O romance aproxima-se do seu fim. Depois de nos desviar do mundo convencional onde todos os acontecimentos têm uma explicação racional, para nos fazer mergulhar num outro onde são muitas as incongruências - duas luas no céu ou um Povo Pequeno de intenções imprevisíveis por exemplo - Murakami prepara-nos para o epílogo onde teremos os protagonistas de regresso à nossa realidade.
1Q84 pode voltar a ser 1984!
É o que iremos ver no próximo texto, aquele em que concluiremos a abordagem à trilogia do escritor japonês!
Sem comentários:
Enviar um comentário