terça-feira, julho 31, 2018

(DIM) Quando o antiestalinismo primário oculta a análise objetiva das práticas antimarxistas dos regimes ditos «comunistas»


A noite temática de hoje na Arte tem consistido numa diatribe anti estalinista, que aborda esse longo período da História soviética de acordo com os mitos há muito alimentados pela perspetiva capitalista ocidental, decidida a manipular as mentes para, colorindo tanto quanto possível os crimes cometidos na URSS, pôr em causa uma ideologia de cujos pressupostos fundamentais ela se dissociara.
Primeiro foi o documentário de Ullrich Kasten intitulado «Hitler - Estaline: a diagonal do ódio» que procurou equiparar os dois políticos, como se não os separasse à partida a intenção de um manter o regime de exploração do capital sobre o trabalho, enquanto o outro ambicionava a construção de uma utopia, que se tornava cada vez mais distante à  medida que as suas decisões estratégicas privilegiavam a crescente autoridade da cúpula do partido em detrimento do efetivo cumprimento da democracia a partir das suas bases. Um pensava prioritariamente nas «raças», o outro nas bem mais concretas classes sociais.
A autora do documentário quis convergi-los no antissemitismo e na paranoia, mas mesmo nesses argumentos omite informação: após a Revolução de Outubro foi na Ucrânia, sob o domínio do Exército Branco (antissoviético) que se concretizaram os mais terríveis progroms desses anos vitimando mais de cem mil judeus. Por outro lado a paranoia de Hitler só se manifestou, quando os seus exércitos começaram a recuar com os respetivos generais a caírem, ora mortos, ora prisioneiros do Exército Vermelho. Pelo contrário Estaline, tal como Lenine, teve de enfrentar efetivos movimentos contrarrevolucionários cujos ímpetos homicidas em nada se distinguiam dos do lado oposto. Com muitos inocentes colhidos no meio de ferozes batalhas internas, os gulags, os fuzilamentos sumários ou os encenados processos de Moscovo eram a resposta a incessantes conspirações fomentadas e financiadas pelas potências ocidentais, temerosas de verem o «vírus» comunista alastrar-se a ocidente. 
Apesar de firmar o pacto germano-soviético com que pretendeu ganhar tempo para reconstruir a cúpula militar, que cuidara de eliminar nos anos anteriores, Estaline nunca se encontrou com Hitler. Mas a versão histórica debitada por este documentário propagandístico é a de um Estaline paralisado e contraditório, incapaz de crer na «traição» do efémero aliado, quando este fez avançar os tanques na frente oriental. Tivesse essa perspetiva alguma consistência nunca os exércitos soviéticos teriam conseguido resistir aos invasores, quando estes julgavam que chegar a Moscovo seria mero passeio.
Mais consonante com a realidade e com os erros indesculpáveis do estalinismo é a história da fraude científica, que Lyssenko representou com a cumplicidade de Estaline e em detrimento de um sábio brilhante, Vavilov, que morreria de fome num campo de trabalho siberiano.
«O sábio, o impostor e Estaline» tem a assinatura de Gulya Mirzoeva e enquadra-se na mesma filiação de rever a História, acentuando o que houve de negativo no período soviético como forma de exaltação implícita do seu contraponto capitalista.
Na ostracização a que Nikolai Vavilov foi sujeito, enquanto o vigarista Lyssenko era idolatrado, Estaline demonstrou o quanto se afastara da doutrina marxista, porque nunca esta poderia permitir que a flagrante mentira  fosse mascarada de forma a confirmar perversões ideológicas, que conviriam à linha do partido, mas não se coadunavam com  a verdade científica.
A fundamentação da fraude teve motivação nas grandes fomes verificadas em 1921 e 1932, ambas decorrentes de decisões erradas do partido, mas que levaram os meios científicos a buscarem soluções para a melhoria do rendimento das colheitas de cereais. Agrónomos, biologistas e outros cientistas foram instruídos no sentido de arranjarem alternativas eficazes, que garantissem a segurança alimentar das populações.
Logo em 1922, Vavilov põs o instituto de Petrogrado, que dirigia, a recolher grãos e sementes para, mediante técnicas genéticas, encontrar quais as capazes de cumprirem tal objetivo. Estimulava-o o ideal de conseguir um tal sucesso, que toda a Humanidade visse erradicado o flagelo da fome. Foi então que, contra a «genética burguesa», e mediante técnicas agrárias, que mais não eram do que adaptações de ancestrais práticas camponesas, Trofim Lyssenko viu-se incensado como herói soviético, impedindo o desenvolvimento científico, que poderia ter dado à URSS a efetiva primazia na capacidade exportadora a nível mundial.
É nessa perspetiva, que Estaline deve ser condenado: a cegueira nas suas certezas, impedia-o de pensar segundo os princípios dialéticos, que lhe deveriam suscitar dúvidas sobre a bondade das suas decisões tendo em conta as trágicas e erróneas consequências delas resultantes. Ano a ano a utopia prometida em 1917 ia-se afastando mais e mais da desejada concretização. Mas essa é ilação, que este documentário e o anterior furtam-se a apresentar.
Lyssenko só seria afastado da condução dos assuntos agrários soviéticos com a morte do seu protetor em 1953, quando Vavilov já morrera tragicamente, mesmo deixando no seu Instituo de Leninegrado um importante legado de sementes, que os discípulos se tinham encarregado de, quase clandestinamente, conservar.

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