quinta-feira, julho 19, 2018

(DIM) «No Coração da Escuridão» de Paul Schrader


Aos 71 anos, depois de assinar tantos argumentos e realizar muitos filmes mais, Paul Schrader criou aquela que poderá ser a sua melhor obra, porque o reconcilia com a indignação patente nos primeiros títulos que o tornaram conhecido: não só de «Taxi Driver», que escreveu para Scorcese, mas sobretudo «Blue Collar», «Rapariga da Zona Quente» ou «American Gigolo», todos eles retratos desencantados de uma América, mais de pesadelo, que de agraciada por Deus.
Deus teve (e  continua a ter) um lugar de destaque na vida de Schrader. Ele nasceu numa comunidade calvinista do Michigan, nunca tendo visto um filme até aos dezoito anos, porque assim o impunham os austeros costumes locais. Depois, quando os começou a descobrir, a escolha não podia ser melhor: Robert Bresson, Ingmar Bergman, Carl Dreyer ou Jean-Luc Godard. Mesmo tendo deixado derivar a criatividade por outros universos, a influência de alguns daqueles inspiradores estão presentes no filme atualmente em exibição nos cinemas, e cuja descoberta muito se recomenda.
No papel principal está Ethan Hawke já tão distante do que lhe conhecêramos enquanto personagem impressivo de «O Clube dos Poetas Mortos». Aqui ele é Ernest Toller, um pastor protestante numa pequena comunidade rural, que vive atormentado pela corrupção do corpo, afetado por doença incurável, mas sobretudo a contas com um sentimento de culpa de impossível redenção. Antigo militar, empurrara o filho para  um alistamento, que equivaleria à sua condenação à morte no teatro de guerra do Iraque.
Ademais, nem sequer essa opção profissional pelo exercício religioso lhe serve de lenitivo, quando vem a descobrir que a sua própria igreja está de mão dada com multinacionais envolvidas em negócios diretamente relacionados com a destruição ambiental. Entre a vontade de resolver o que tanto o revolta, como o personagem de Robert de Niro no filme de Scorcese, ou de George C. Scott em «Hardcore», ou outro final mais simbólico, mas não menos definitivo, ao jeito de Bresson, Schrader assume ter decidido por algo a meio caminho entre uma e outra opção.
Ciente está ele de constituir uma carta fora do baralho na produção cinematográfica atual, encontrando crescentes dificuldades para financiamento dos seus projetos. Numa entrevista ele diz: “nos anos 60 pensávamos que estávamos a forjar uma nova cultura. Houve de facto uma nova cultura que estava a ser forjada, mas não era a nossa, era aquela que se opunha à nossa. Cinquenta anos depois, suprimiram-nos completamente.”
O desencanto de Schrader não o inibe de continuar a frequentar regularmente a igreja, justificando-se com Albert Camus: “Eu não acredito. Eu escolhi acreditar.”

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