quarta-feira, julho 25, 2018

(DL) Entre as mafias italianas e a educação sentimental no Nebraska de há cem anos


1. Numa altura em que a mais enfática contestação ao governo fascista italiano é encabeçada por Roberto Saviano que, além de chamar palhaço a Matteo Salvini, também deixa implícita a ligação deste a ambientes mafiosos, faz todo o sentido ler «A Republica da Mafia», ensaio de John Dickie, publicado pelas Edições 70 há dois anos, que trata da história da Cosa Nostra, da Ndrangheta e da Camorra desde 1946 até aos nossos dias. Embora diferentes entre si e cobrindo áreas geográficas distintas - a Sicília, a Calábria e Nápoles respetivamente - elas têm de comum a ambivalência no relacionamento com o Estado: ora fazem dele o principal inimigo, ora infiltram-no de forma a colherem tanto quanto podem no jogo de interesses económicos definido pelos ministros.
Quem hoje ainda duvida das relações mais que suspeitas de Giulio Andreotti com a Mafia a quem terá prestado favores nas décadas em que foi quase tudo na política transalpina? Quem esqueceu os assassinatos dos juízes Paolo Borsellino e Giovanni Falcone, ou do general  Della Chiesa na década de 80, precisamente aquela em que a extrema-direita também andava particularmente ativa com atentados terroristas?
Nessa concertação com muitos políticos corruptos ou no assassinato aos que se escusavam a servir-lhe de trampolim para os seus negócios, as diversas máfias condicionaram seriamente a política italiana ao longo destas mais de sete décadas, não havendo que esquecer como a siciliana ganhou particular relevância graças à cumplicidade dos altos comandos militares norte-americanos, que contaram com a sua cumplicidade ativa aquando da invasão da Sicília em 1943.
Daí que faça sentido considerar que a luta dos antifascistas italianos contra o governo atual não possa descurar o papel clandestino, que as mafias desempenham na sua consolidação.
2. Há cem anos Willa Cather escreveu «Minha Ántonia», um romance encantador, que a Relógio de Água publicou há pouco tempo entre nós. Homossexual e conservadora, deixara de vez o jornalismo para se afirmar como escritora, seguindo as pisadas do seu idolatrado Henry James.
A história é contada por Jim Burden, um rapaz vindo do Virgínia, que encontra numa vilória do Nebraska uma rapariga, Ántonia, que o deixa num estado de deslumbramento.  Mais do que esse fascínio, Willa Cather consegue-nos transportar numa autêntica viagem no tempo para essa América rural, afinal não muito diferente, nos valores - particularmente nos preconceitos! - com o que ela ainda hoje é.
Se queremos compreender que tipo de eleitorado se deixou embeiçar por Trump, quando tratou de desfeitear o cosmopolitismo das elites das grandes cidades banhadas pelo Atlântico e pelo Pacífico, é capaz de encontrar aqui algumas respostas eloquentes.

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