quarta-feira, agosto 01, 2018

(DL) Os efeitos da guerra e a veneração por Lenine em 1948


Era natural que, estando o fim da guerra ainda tão próximo, Steinbeck e Capa tenham encontrado muitos dos seus efeitos práticos, quando viajaram pela União Soviética em 1948. Os transportes em que se deslocavam eram básicos, primando pela operacionalidade em detrimento do conforto ou da aparência. Por exemplo na viagem entre o aeroporto e Estalinegrado tomaram um velho autocarro cujas molas da suspensão inexistiam, podendo-se imaginar os solavancos decorrentes do percurso por uma estrada irregular cheia de buracos. Ainda assim, o relato literário da experiência exime-se de comparações com a realidade norte-americana onde a possibilidade de tal ocorrer seria quase nula, havendo até uma complacência perante algo encarado como pitoresco.
Nesse percurso também presenciaram o labor dos que recolhiam a sucata remanescente da intensa batalha ali ocorrida e cuja reciclagem garantiria material para manter em funcionamento as fábricas de metalurgia. Tratava-se da demonstração prática de um sistema político e económico, que tinha horror ao desperdício e tudo procurava reutilizar como forma de recuperar tão rapidamente quanto possível da destruição em que toda a sua parte ocidental do país fora sujeita.
Noutra perspetiva, o escritor e o fotografo testemunharam o orgulho de homens e mulheres que, acompanhados dos filhos, lhes mostravam o equipamento militar alemão capturado provavelmente graças ao seu esforço. E, na mesma lógica as famílias faziam filas para homenagearem, de uma forma que Steinbeck consideraria «religiosa», a múmia de Lenine. Tendo em conta que o regime distanciara-se da igreja ortodoxa, defendendo que os fenómenos religiosos equivaliam a uma alienante forma de ópio para manter o povo na ignorância, revelava então grande sucesso na capacidade de transferir para a iconografia do líder de 1917 a pulsão dos russos para o transcendente.
Nesse sentido compreende-se a vontade política atual de encerrar definitivamente o mausoléu, poupando o cadáver de Lenine ao desfile quotidiano de turistas, que o vão ver por curiosidade mórbida sem qualquer identificação ideológica com quanto ele representava. Mas há setenta anos essa exposição fazia todo o sentido, porque o respeito e admiração por Lenine estava interiorizado nos que formavam tais filas.

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