terça-feira, julho 31, 2018

(DL) Quando Steinbeck deu da União Soviética um relato honesto e objetivo


Na mítica viagem à União Soviética, que John Steinbeck e Robert Capa empreenderam em 1948, foi explicita a burocracia com que se depararam, a par do culto de personalidade a Estaline. Três anos passados sobre a guerra, que matara vinte milhões de soldados do Exército Vermelho e de civis das zonas ocupadas pelos nazis, a vitória sobre Hitler era atribuída ao comandante-chefe, que tomara a precaução de estabelecer a paz com o inimigo, quando ainda não estava preparado para o enfrentar, conseguindo-o travar quando a Operação Barbarrossa pretendia ser um mero passeio teutónico até Moscovo, Leninegrado e Estalinegrado. Na altura não se colocava a questão de saber quão atrasada ficara a preparação da defesa contra o expansionismo germânico se a cúpula militar não tivesse sido decapitada na segunda metade da década anterior. Para a generalidade dos sobreviventes Estaline fora suficientemente inteligente para recuar quanto necessário, confiar na imensa capacidade de sacrifício do povo que, â exceção de muitos ucranianos e bálticos atraídos pelo nazismo, enfrentara heroicamente o inimigo, e contra-atacar de uma forma consistente, tendo a honra de ver a bandeira vermelha desfraldada em Berlim, quando aí haviam chegado antes dos norte-americanos, já temerosos de verem metade da Europa ficar confiada à influência do Kremlin no pós-guerra.
Na viagem por várias cidades soviéticas Steinbeck e Capa encararam esse culto da personalidade como natural, tornando-se-lhes mais incómodas as falhas burocráticas, que alteravam os programas quotidianos com demasiada facilidade, seja por falta de transporte, seja por outras alternativas lhes serem propostas à última da hora.
No fundo eles mostram emancipação das reservas mentais de muitos compatriotas manipulados pela propaganda anticomunista, olhando para a realidade soviética com a mesma atitude por mim tomada, quando por ali andei nos anos setenta e oitenta. Na altura surpreenderam-me os que confessaram a admiração por Estaline, apesar de, já há mais de duas décadas, Krushev  dele ter dito cobras e lagartos. Pelo contrário havia uma notória antipatia por Brejnev, tido por muitos desses interlocutores como incapaz de prosseguir o rumo tomado pelo regime na época em que Gagarine demonstrara o quanto a tecnologia soviética estava bem mais adiantada do que a da superpotência rival na candente conquista espacial.
O que os textos de Steinbeck revelam, corroborados pelas fotografias de Capa, é a existência de pessoas perfeitamente iguais às ocidentais nas suas virtudes e defeitos, mas porventura melhores, porque sentiam uma enorme pulsão pela paz, que as poupasse a novas experiências bélicas, e tinham para com os visitantes uma simpatia e generosidade, que dificilmente poderiam ser superadas em qualquer outro lugar.

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