terça-feira, julho 24, 2018

(DL) «Vers la beauté» de David Foenkinos


Dostoievski escreveu um dia que a Beleza poderia salvar o mundo. Tese arrojada, que Antoine Duris intenta comprovar, se não para beneficiário tão amplo, pelo menos para si enquanto pessoa. Ele que conhecera percurso exemplar como estudante, e depois enquanto professor, na Escola de Belas Artes de Lyon, sempre tivera um vínculo muito forte com o Belo e assim pretendia que prosseguisse ao demitir-se de tudo quanto fora até então, escusando-se às despedidas dos amigos, eaté mesmo dos familiares, para se instalar quase anonimamente em Paris, concorrendo ao lugar de vigilante de sala no Museu d’Orsay. A ocasião não podia ser mais propícia, porque estava iminente uma grande retrospetiva sobre a obra de Modigliani, artista a que dedicara a sua tese de doutoramento.
Olhando-lhe para o currículo e confirmando-o através de um par de telefonemas Mathilde, a diretora dos Recursos Humanos, sente espicaçada a curiosidade: o que leva um tão admirável professor, com artigos de referência publicados nas mais prestigiadas revistas de Arte, a abandonar tudo de forma tão inopinada vindo-se oferecer para tão modesto cargo? Que traumatismo terá estado na origem de uma tal reconversão?
À medida que se vai entrando na decifração do mistério torna-se lógica a intenção do protagonista em mergulhar quotidianamente na beleza dos quadros neles buscando a catarse para o sofrimento recalcado. É que Antoine carrega consigo um segredo doloroso sobre Camille, talentosa artista cuja germinação acompanhara desde a adolescência e cujo destino ficara definitivamente posto em causa por um ato de violência, que não chegara a demorar dois minutos. Como é frequente nos romances sobre amores impossíveis, a ligação entre Eros e Tanatos também aqui vem ao encontro do leitor.
Ao evadir-se do passado, Antoine Duris pretende repartir do zero, reconstruir-se, mesmo sem consciencializar verdadeiramente a racionalidade do gesto. Porque guia-o a intuição, mais do que um plano concebido para tal fim. Daí que a redescoberta do Amor venha a ser-lhe tão inesperada quanto para Mathilde, já que comungavam ambos da decisão de nunca mais voltarem a ceder ao sortilégio da empatia afetiva com quem quer que fosse.
Ao décimo quinto romance, Foenkinos recebeu os elogios rendidos de quase todos os críticos, que se sentiram tentados a escrever sobre o livro, mas, na realidade, há quem muito justamente ponha em causa a ligeireza da trama, a falta de espessura dos personagens, como que subordinadas a servirem de passiva demonstração à hipótese lançada pelo autor de «Crime e Castigo».

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