sexta-feira, julho 20, 2018

(EdH) As breves derrotas de uma cultura antes de se declarar vitoriosa


É curioso que, nos últimos dias, tenha dado com a mesma tese, enunciada por pessoas tão diferentes quanto o parecem ser o realizador Paul Schrader ou a escritora Celeste Ng: em meados dos anos 70 julgáramos próximos os cenários de utopias, que configurariam uma outra cultura, e afinal foi outra, a que lhe era contrária, a prevalecer. O que faz de nós derrotados de uma batalha de valores, que está longe de estar definida, porque a guerra correspondente está por resolver. Basta pensar que estamos num mundo mais desigual e ecologicamente insustentável para concluir pela continuidade de uma disputa concluída com um de dois cenários: ou a distopia de um planeta condenado a um devir apocalítico, ou a utopia de uma outra via consagrada num outro sistema económico e numa efetiva humanização das decisões políticas.
Quando maio de 68 e outros movimentos mostraram que debaixo das pedras da calçada poderia encontrar-se a paradisíaca praia, o capitalismo engendrou uma ilusão consumista suficientemente forte para pôr os explorados de então a distraírem-se do foco da sua missão e a passearem-se aos fins de semana nos centros comerciais, mesmo sem dinheiro no bolso para comprar o que quer que fosse.
Nos anos seguintes, esgotada essa miragem de tudo estar ao alcance de todos, surgiram outras falácias embaladoras: a possibilidade de todos serem acionistas, mesmo continuando a verem as mais valias do seu trabalho a serem esbulhadas nas fábricas ou nos escritórios. As Bolsas teriam uma capacidade de crescimento tão imparável, que todos colheriam lucros da financeirização acelerada das economias.
Desfeitos esses oásis ainda vivemos outro: a sobrevivência dos jovens do Milénio residiria na potenciação da sua veia empreendedora. Encontrasse-se o nicho adequado e a riqueza não se mediria nos magros dólares ou euros remunerados pelos empregos precários, mas por muitos zeros. O problema atual é muitos constatarem que esses zeros continuam invariavelmente à esquerda e não à direita dos demais dígitos.
Vivemos, pois, no impasse de uma situação desfavorável, mas cientes da importância de a infletir, mudando-a decisivamente para o pós-capitalismo, derrotando o neoliberalismo na sua forma atual, a de uma total falta de escrúpulos dos plutocratas, que já nem sequer disfarçam o incómodo inerente aos formalismos da Democracia. 
Nesta altura eles parecem demasiado fortes para serem vencidos. E os que os deveriam combater demasiado alienados da sua condição para agirem em conformidade com os seus interesses. Mas quem já tanto viu acontecer neste recente meio século como pode manter-se pessimista perante a notável capacidade da História humana para se reinventar num sentido civilizacionalmente mais avançado?

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