domingo, julho 01, 2018

(DIM) A boémia parisiense durante o século XIX


No final do século XIX havia quem comparasse Paris à antiga Babilónia quando os seus habitantes e os que vinham da província ou do estrangeiro passeavam-se pelas largas avenidas, atardando-se nos terraços dos cafés, e dando um pezinho de dança nos bailes ou nos cabarés, sempre acompanhados por galantes companhias. Fosse numa sala privada de um restaurante ou no luxuoso camarote de um teatro, num hotel confortável ou numa casa dedicada aos encontros amorosos, de noite ou de dia, raparigas anónimas, de porte ostentatório ou famosas cortesãs vendiam-se a quem melhor lhes pagasse, sob a complacente e corrompida vigilância dos polícias da brigada dos costumes.
No ensaio «Paris, capitale de l’amour: filles et lieux de plaisir à Paris au XIXe siécle», Lola Gonzalez-Quijano revela os muitos espaços dedicados à prostituição e ao engate, que caracterizavam a geografia urbana e fizeram da cidade de então a capital mundial do amor e do prazer.
Se esse ensaio tem a ver com os espaços boémios, o de Laure Adler intitulado «Les Maisons Closes, 1830 - 1930» incide a atenção nas prostitutas de tão diversas origens sociais e clientelas, umas vivendo folgadamente aceitando ficar «por conta» de generosos «benfeitores», outras não escapando à indigência, buscando magros rendimentos nas ruas mais miseráveis.
Classificadas segundo dezenas de designações de difícil tradução, porque as referenciavam, ora como cortesãs, raparigas em circulação, passeantes, visitadoras de artistas ou sopeiras, ora como cocotes, polvos aquáticos, vénus crapulosas ou semicastores, a todas Adler pretende devolver a dignidade, descrevendo-as com o merecido respeito, que a História esteve muito longe de lhes reconhecer. Mesmo um romance trágico como «Nana» de Émile Zola surge como muito distinto da realidade, porque o universo ficcional do autor era congeminado dentro da sua cabeça sem obrigatoriamente encontrar paralelo com o que uma investigação minimamente rigorosa lhe facultaria. Eram evidentes os limites do professado realismo do autor de «Germinal».
Sobre uma vertente de Paris, mais mítica do que verosímil, os dois ensaios acabam por complementar-se.

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