quinta-feira, julho 12, 2018

(DL)Marguerite Yourcenar, entre as fronteiras e o exílio


Foi na Flandres que se enraizou a biografia de Marguerite Yourcenar, a mais conhecida escritora de língua francesa, depois de nascer em Bruxelas em 1903. Naturalizada norte-americana depois da Segunda Guerra Mundial, ela foi, aos 77 anos, a primeira mulher a entrar na Academia Francesa depois de passar toda a vida a alimentar-se do carácter plural da região belga em que cresceu. A autora de «A Memória de Adriano» ou de «Obra ao Negro» radicou muitas das suas estórias nessa região plana e frequentemente mergulhada no nevoeiro.
Órfã da mãe desde o nascimento, foi educada pelo pai, um aristocrata francês detentor de um castelo junto à fronteira. Não admira que esse tema da separação entre dois espaços, duas culturas, viesse a surgir amiúde na sua obra posterior.
O Mont-Noir será sempre uma espécie de paraíso perdido, que associa a essa infância., tanto mais irrepetível quanto essa residência estival foi vendida e, depois, demolida durante a Primeira Guerra Mundial. Hoje integrada no domínio público, constitui uma reserva natural e integra uma residência para escritores.
No seu livro autobiográfico «Arquivos do Norte», ela revelou a história dessa dinastia familiar de que começou a distanciar-se quando, com a guerra, mudou-se para Paris, e depois para os Estados Unidos. Doravante seria sempre cidadã do mundo pouco talhada para se fixar numa das suas específicas nacionalidades. No entanto, quando regressou ao Mont-Noir, quando tinha 83 anos, considerou que a paisagem mantinha-se fiel ao que dela conservara a memória ao longo de todos os anos entretanto decorridos.
Em Bruges, sua cidade preferida na Bélgica, situou a ação de «Obra ao Negro», que tem por protagonista um jovem alquimista apostado em contestar o obscurantismo religioso. Recupera, assim, o cenário medieval, que conhecera em criança na companhia do pai e recriada à distância - pois descreve-a do seu exílio além-Atlântico - como um espaço fantasmático, ideal para Zenão, que enquadra num ambiente semelhante ao dos quadros de Brueghel. E ele é seu igual, porque também condenado a viver toda a vida afastado da terra natal. Por isso mesmo quando ali se escreve “toda a vida se espantara com essa faculdade que as ideias têm de se aglomerarem friamente como cristais, formando estranhas figuras vãs; ou crescerem como tumores devorando a carne que os concebeu; ou assumirem monstruosamente certos contornos da pessoa humana, à maneira dessas massas inertes que algumas mulheres dão à luz e que, em suma, não são mais do que um sonho da matéria. Uma boa parte dos produtos do espírito não passava também de disformes sombras lunares.”, que parte provém de Zenão, qual a que corresponde à sua criadora?

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