sábado, junho 30, 2018

(P) Há Asas cobrirem-nos a indiferença em Palmela


Quando se trata de Teatro, com um T muito grande, é em Palmela, com O Bando, que mais facilmente o encontramos. Tenho-o dito e redito, e continuarei por certo a dizê-lo, porque cada vivenciar dos seus espetáculos tem constituído uma sucessão quase ininterrupta de surpresas, e até de magia.
Voltou a acontecer com «Os Pássaros», que estará em cena até domingo e mereceria por certo uma bem mais prolongada carreira se contássemos com autoridades culturais, capazes de promover a criação de públicos informados e persistentemente estimulados e não se limitassem a cumprir a função com a distribuição de parcos subsídios tarde e a más horas.
Mas, passemos á evocação do espetáculo, que começa com a notícia da queda de um ser alado, porventura relacionado com a morte de muitos pássaros nas últimas semanas. A rádio vai emitindo uma reportagem especial enquanto a caravana de automóveis, de pisca-piscas acesos, percorre a distância  entre a quinta do Vale dos Barris e o espaço ao ar livre onde, em modo de drive in, acompanhamos a evolução dos acontecimentos, que justificam o entusiasmo do locutor (pareceu-me ser a voz de Fernando Alves embora não creditado nos cartazes), a dirigir-se-nos como se estivéssemos, de facto, formatados incuravelmente pelo registo tabloide.
Nós, os caranguejos que víramos em vídeo a fazerem o mesmo trajeto automóvel, vemo-nos aliciados pelos muitos feirantes, que exigem moedas para acedermos a mezinhas milagrosas e nos aliciam com a possibilidade de vida eterna propiciada pelos Anjos. Convocado ao local do avistamento o padre cura não tem dúvidas quanto à impostura, dali zarpando com a rapidez de quem tem outras almas, crédulas de ilusões alternativas, a manter.
Por essa altura há muito estamos conquistados para a atmosfera de realismo mágico em que a encenação de João Neca Jesus nos mergulhou. Ele próprio, vestido de guarda fiscal, vai andando por ali a inquietar, mais do que a impor alguma normalidade (seja lá o que isso for...) ao conjunto de dezenas de personagens, ansiosos por que o homem alado desperte do seu sono e saia do buraco em que mergulhou.
Assim acaba por suceder, mas quando todos já foram dormir. Oportunidade para Guilherme Noronha voltar a revelar-se como um dos mais histriónicos (no melhor sentido) dos atores que podemos apreciar: ele é o pobre anjo caído dos céus, incapaz de cumprir todas as promessas, que quiseram atribuir-lhe como  estando ao seu alcance, mas,  a quem uma criança se dirige sem medo (como no clássico Frankenstein!)  e o ajuda a reganhar as alturas celestiais.
Estaria o caso encerrado? Seria descrer da inaudita capacidade dos humanos em se iludirem com todas as panaceias implausíveis para as suas frustrações. No regresso ao Vale de Barris, já nova reportagem bombástica se anuncia: uma mulher-aranha acaba de emergir das profundidades e trazer com ela a possibilidade de ressuscitar a felicidade perdida.
Como a noite ia alta já nos não foi lançado o convite para irmos à sua procura... mas , entre os presentes, ouvi disponibilidade para que isso pudesse suceder. É que as propostas de O Bando são tão estimulantes, que delas saímos a querer mais...

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