domingo, julho 02, 2017

(EdH) Hermes, o mensageiro indecifrável

Na mitologia grega Hermes foi dos deuses mais apreciados, porque além de ágil e de insolente, tinha alguns dos mais comuns defeitos humanos: era mentiroso e trapaceiro. As histórias a que está associado, tanto o tornam inesperadamente presente onde menos se o espera, como também desaparece sem rasto nem pré-aviso.
Filho de Zeus e de Maia (uma das Plêiades), a mãe refugiou-se numa gruta para dá-lo à luz, evitando represálias da ciumenta Hera.
A surpresa foi vê-lo a andar pelos próprios pés, quase de seguida, manifestando uma precocidade inexplicada. E foi numa das subsequentes fugas ao controlo da mãe, que se dirigiu a Tessalónica, aí encontrando uma manada de uma dúzia de vacas com cormos de ouro, cuja guarda estava confiada ao meio-irmão Apolo. Mas, este, mais interessado em seduzir as jovens mortais do que realizar competentemente as tarefas, não estava por perto, e o miúdo roubou-lhe os animais, levando-os para perto da sua gruta.
Das alturas Zeus a tudo assistiu e até engraçou com a partida do rebento ao frívolo pastor. Por isso destiná-lo-ia a tornar-se o deus dos ladrões e dos aldrabões.
Por essa altura já Hermes sacrificara duas das vacas e as cortara em doze pedaços em honra dos deuses do Olimpo. Cumprido o ritual, com a carapaça de uma tartaruga, inventou a lira.
No entretanto o aflito Apolo procurou a manada por todo o lado, e em desespero de causa recorreu à ajuda dos ávidos sátiros. Estes distribuíram-se por toda a Grécia até serem atraídos pelo som do desconhecido instrumento musical criado pela criança-prodígio.
Chamado à pressa, Apolo discutiu com Maia a responsabilidade do filho no furto e, não conseguindo que este lhe dissesse onde estavam as vacas, levou-o a Zeus.  Este, embora divertido com a façanha do pimpolho e, sobretudo com os argumentos por ele utilizados para reclamar a inocência, obrigou-o a devolver os animais ao meio-irmão. Vencido, teve de confessar a falta de dois deles e de explicar a homenagem feita aos doze deuses do Olimpo.
Doze? Estranhou Apolo, que invocou só existirem onze. Quem seria o décimo segundo?
Claro que o irreverente já se promovera a tal condição, suscitando o riso dos dois familiares.
Em forma de compensação pela partida que lhe fizera, Hermes ofereceu a lira a Apolo, que já sendo o deus da poesia,  poderia juntar-lhe a proteção da música. É essa a explicação para, desde então, música e poesia andarem sempre ajustadas uma à outra. Mesmo que Hermes, ainda na presença do meio-irmão, cuide de inventar outro instrumento: a flauta.
Faltava-lhe, porém, completar a educação e foi essa a razão para se juntar às pitonisas do Templo de Delfos na esperança de com elas aprender a previsão do futuro.
Chegado à vida adulta, Hermes integrou-se no Olimpo, sendo incumbido por Zeus da função de mensageiro entre os deuses e os mortais. Mas outra importante tarefa o motivou ainda mais: acompanhar as almas dos defuntos até à sua comparência perante Hades.
Onde, porém, Zeus mais a ele recorreu foi para lhe facilitar o acesso às beldades cujos encantos pretendia usufruir. No caso de Alcmena a dificuldade era tão difícil de tornear, quanto ela teimava na fidelidade ao esposo, Anfitrião, envolvido na guerra. Com a ajuda do filho, o rei dos deuses tomou a aparência do rival e conseguiu passar três longas noites com a mulher desejada, com Hermes a ordenar ao sol, que nunca se levantasse nesse período para dar ensejo ao pai de satisfazer plenamente os desejos. Hércules nasceria dessa relação trapaceira.
O próprio Hermes seria pai de Hermafrodita, resultante de uma única noite erótica com Afrodite. Tendo ao mesmo tempo corpo de homem e de mulher esse ser será sempre infeliz, porque incapaz de amar e ser amado por um ou outro sexo. Outro filho, nascido dos seus amores com a plêiade Dríope, também não deu grande motivo de alegria: ao nascer, Pã, era uma criança tão feia, que a própria parteira logo fugiu assustada com a sua hediondez.
Não sendo um dos nomes maiores do panteão grego, Hermes foi aquele tipo de divindade cuja imprevisibilidade o fez mais assertivo a quem acreditava na veracidade de tal mitologia.

Sem comentários: