sábado, julho 22, 2017

(V) Um delírio colorido na sombra de um vulcão

Que eu dê por isso a euforia dos portugueses em irem passar férias às Caraíbas arrefeceu bastante depois de vivenciados os rigores austeritários da troika. Ainda assim esse mar em que o Atlântico se mascara na reentrância entre as duas Américas continua a ser para muitos o nec plus ultra  do exotismo, a promessa de paisagens como não se encontram em nenhum outro lugar. E no caso de Cuba ainda ali resiste a derradeira ilusão de utopia, em tempos tida como o incontornável devir da História. Não admira que, anualmente, um vizinho tido como um dos mais ortodoxos comunistas no meu convívio, para ali vá passar um mês, regressando sempre retemperado na convicção de ter estado nos tais amanhãs cantantes, sempre vigorosos e bem afinados.
Em tempos percorri as várias ilhas e portos continentais da região. Estive nos sítios mais sofisticados do ponto de vista turístico (Rep. Dominicana, Bahamas ou Ilhas Virgens), mas também nos mais desolados e pobres (Haiti, Granada). Visitei fortalezas do tempo dos piratas (em Cartagena de las Indias), mas também, inevitavelmente, encontrei emigrantes portugueses (Antígua). Vi praias lindíssimas (em Tobago) e assisti a um concorrido espetáculo de música local (em Aruba). No entanto, quando me questiono qual das ilhas mais ali gostei, opto pelas francesas. Não tanto a Martinica, que pouco se distingue de uma pequena cidade da França continental, apesar dos bem visíveis bairros de barracas, mas Guadalupe, cuja beleza selvagem dá razão ao escritor Patrick Chamoiseau, quando diz ser a ilha um espaço mais apropriado para os verdadeiros viajantes do que para os abúlicos turistas.
Se a olharmos de cima ela tem a forma de uma borboleta e é dominada pelo vulcão La Grande Soufrière que, quando lá estive, andava a bufar uns fumos esparsos para os céus azuis. E o plural para definir a cor é bem ajustado porque é o mesmo Chamoiseau quem apela a que se atente na diversidade de tons da paisagem ao longo do dia, de acordo com a mudança da luz a banhá-la.
De cores também constam muitos dos poemas de Alexis Leger, escritor aí nascido em 1887, e que viria a consagrar-se como Nobel em 1960 com o pseudónimo de Saint-John Perse. Tendo passado os primeiros doze anos nas duas plantações de açúcar da família, ele sentiria a mudança para a metrópole como uma perda dolorosa. Tinha doze anos, mas já nele se vincara a majestosa afirmação dos verdes testemunhados na Ilha das Folhas. Em nenhum outro sítio encontraria essas tonalidades de que nunca mais se esqueceria.
É evidente que a memória de Guadalupe não me é assim tão forte, dada a brevidade da passagem por ali. Mas, se o futuro me ditar a possibilidade de regressar àquelas paragens, decerto escolherei a ilha como escala a não perder.

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