terça-feira, julho 11, 2017

(DL) A evocação do caminhante

Caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
São famosos os versos do poeta António Machado, autor do indispensável «Campos de Castilla«, coletânea de poemas publicados em 1912 na sequência de uma fase particularmente difícil da sua vida, a da estadia em Soria, pequena cidade tão distante da sua Andaluzia natal.
Ele chegara a essa região situada no nordeste de Castela em 1907 para lecionar francês no liceu local. Mas logo o surpreendeu a paisagem desolada, que tornou protagonista dos seus poemas. Ela simbolizava a decadência de um país, que já fora imperial e se tornara decadente. As próprias muralhas e fortaleza, que via nos seus passeios ao longo das margens do Douro, também confirmavam essa ideia: decrépitas, a ameaçar ruína, já pouco lembravam o fulgor da época em que haviam sido levantadas.
No verão subiu às montanhas vizinhas e descobriu a sinistra Laguna Negra na caldeira de um antigo vulcão antigamente coberta pelos gelos glaciares. A voz popular dizia que um corpo para ali lançado nunca mais se voltaria a encontrar.
Nasceu aí um dos textos mais importantes dessa época criativa: «A Terra de Alvaro Gonzalez», que aborda o parricídio de um velho cujos filhos, convencidos pelas noras a apressarem o recebimento da herança, trataram de o matar. Numa terra tão miserável, Machado compreendeu que os atos mais ignóbeis tinham explicação na miséria extrema em que toda aquela gente vivia.
Nos passeios junto ao rio ganhou a companhia de Leonor, a adolescente que era filha do seu senhorio. Apesar da diferença de idades - ele já nos trinta, ela ainda mal saída da puberdade -, o amor que os uniu foi indestrutível. Ou quase, porque casando em 1909, detetar-se-ia na rapariga uma tuberculose, que a mataria em 1912.
Quando abandonou Soria, prostrado pela morte da amada, o poeta decidiu ali nunca mais voltar. Porque tudo ali lhe recordava a perdida e efémera felicidade.
«Campos de Castilla» tem a dimensão triste de quem sente dor, desilusão perante as circunstâncias adversas em que vive.
Não adivinhava, porém, a tragédia, que o acompanharia nos últimos dias: em 28 de julho de 1939, um mês depois de ter atravessado a fronteira para fugir ao avanço das hordas franquistas, morreu em Colliure, totalmente exangue pelo sofrimento de ver o seu país entregue à barbárie.

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