quarta-feira, julho 26, 2017

(IO O regresso do prazer de saborear

Edgar Morin sempre teve uma relação muito prazerosa com a comida. Em miúdo deleitava-se com as espetadas à moda de Salónica - terra de origem dos progenitores greco-espanhóis - com abundante recurso a queijo feta. Mas seria mais tarde, entre 1943 e 1944, quando as responsabilidades na Resistência Francesa o levavam a procurar alimentos no mercado negro, que se deu conta de quanto ela lhe era importante, levando-o a apreciar o que até então detestara: a parte gordurosa do presunto ou as “andouillettes», uma espécie de salsicha feita com o invólucro do estomago da vaca.
Esta especialidade valeu à minha cara-metade a experiência de ter, em tempos, deglutido, ou pelo menos tentado, a pior coisa, que lhe passou pelas pupilas gustativas.
Morin descobrira que, perante a escassez, a disponibilidade para adotar outros comportamentos alimentares fez-se inevitável. Mas a experiência valeu-lhe uma lição para a vida: as refeições tornar-se-iam momentos de volúpia, descobrindo o prazer de experimentar sucessivos sabores, apostando sobretudo no que lhe tem dado prazer. Com sobriedade, porém: vencida a provação, passou a importar muito mais a satisfação obtida com a pequena quantidade do que se gosta, do que com os delírios dos buffets  feitos para glutões. Degustar é apreciar, evitando a tentação glutona de ingerir alimentos sem quase os demorar na boca. No fundo importa recuperar o nosso lado infantil da descoberta das novas sensações, mesmo naquelas, que se julgavam plenamente adquiridas.
Morin expõe, igualmente, uma teoria curiosa sobre a lamentável gastronomia inglesa, que tem por montra sinistra os filetes de peixe acompanhados de batatas fritas. A razão terá sido o êxodo rural para as cidades numa altura em que a Revolução Industrial necessitava de braços, que os campos já não conseguiam alimentar. Esse afastamento dos campos, da produção natural dos alimentos, explica muito bem porque é a cozinha mediterrânica a que marca sérios pontos no favor dos grandes chefes. Porque a indústria agroalimentar uniformiza sabores e priva-nos desse prazer da degustação, só possível com os produtos efetivamente biológicos, porque diferenciados no prazer que suscitam. Mas o sociólogo também não descura a importância do puritanismo nórdico ligado ao protestantismo, que condena todas as formas de deleite como pecado. Nas prolongadas estadias na Holanda temo-nos debatido com a impossibilidade prática de multiplicar as ementas familiares, tão estrita é a possibilidade de escolha nas prateleiras dos seus supermercados.
Ao contrário do que se pretendeu impor às consciências, não nos devemos contentar com a máxima de só comermos para vivermos. Na realidade a aposta está em vivermos por muitas razões e uma delas deverá ser a de termos satisfação com o que comemos. Como deveremos viver para colhermos todos os júbilos proporcionados pelos sentidos.

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