domingo, julho 09, 2017

(EdH) Nas profundas do Inferno

Tártaro não é apenas aquele povo turcomano, que Estaline mandou deportar para a Ásia Central como castigo pela cumplicidade com os ocupantes nazis e, recentemente, opositores frustrados da anexação da Crimeia para onde tinham regressado depois da morte do pai dos Povos.
Tártaro também não é apenas aquela coisa horrorosa, que surge na fronteira entre os dentes e as gengivas e nos levam a gastar uns quantos euros na visita anual à higienista dentária.
Tártaro também não é apenas aquele horroroso bife, que me serviram num restaurante de Haia, e que mais não era do que um naco de carne crua com umas batatas fritas. A expetativa de ter um bife normal, com um molho dito tártaro em cima, fora frustrada por aquele prato digno de um canibal,
Tártaro era, afinal, e no que diz respeito à mitologia grega, o local maldito do Inferno onde se concentram os deuses banidos, os heróis derrotados e os grandes criminosos. Mas, antes de assim ser crismado, Tártaro fora um deus nascido do Caos inicial, a quem Gaia empurrara no início dos tempos para aquele local subterrâneo onde era Hades quem mandava.
Zeus, nos seus insondáveis desígnios, decidia quem para ali mandava sem hipótese de remissão. Os Titãs e os Gigantes tinham sido dos primeiros a ali ficarem cingidos depois da frustrada tentativa de eliminarem o rei do Olimpo.
Sísifo era outro dos condenados mais conhecidos. Filho de Éolo e fundador de Corinto, fora o  criador do comércio.  Mas era também vingativo: um dia, sabendo que o vizinho Antolykos lhe andava a roubar os animais do seu rebanho, invadiu-lhe a casa e violou-lhe a filha, que iria casar no dia seguinte com Laertes.  Meses depois a jovem recém-casada dava à luz Ulisses, nunca se concluindo se era filho de Sísifo ou do traído noivo.
As suas aventuras não cessaram aí: para que os seus pastos tivessem sempre água, denunciou Zeus a outro vizinho, alertando-o para a tentativa dele lhe seduzir a filha. Passaria, assim, a garantir a rega abundante dos seus campos.

Furibundo, o rei dos deuses mandou a Morte ir buscar Sísifo levando-o para o inferno, mas, recorrendo à sua esperteza, o réu enganou-a e prendeu-a numa cela da sua fortaleza.
Tempos difíceis esses em que o inferno ameaçou esvaziar-se pela interrupção do fluxo contínuo dos mortos para o ir povoando. Decidido a resolver definitivamente o caso, Zeus condena-o a cruel suplício no Tártaro: todos os dias tem de carregar uma grande pedra montanha acima e, quase lá chegado, ela rebola-lhe encosta abaixo, obrigando-o a retomar a tarefa desde o  princípio.
Outro conhecido habitante dessas profundas infernais é Tântalo, o rei da Frígia. Ele tinha todos os atributos para ser um herói bem sucedido, tanto mais que era um dos muitos bastardos de Zeus. Mas a euforia do estatuto subiu-lhe à cabeça levando-o a distribuir néctar e ambrósia entre os mortais, apesar de saber tais iguarias apenas destinadas aos deuses. Pior ainda, convidou os deuses do Olimpo para um banquete e, ao compreender não possuir carne suficiente para lhes dar a servir, matara o próprio filho para assim suprir essa falta.
Denunciada a macabra fraude, Zeus castigou-o com outro terrível suplício: até ao fim dos tempos, Tântalo não consegue saciar a sede ou a fome, porque sempre que se baixa para beber a água em que está mergulhado, ela desaparece-lhe, a exemplo da árvore onde vislumbra apetitosas pêras, cujos ramos se afastam sempre que pensa alcança-las.
Igualmente sem perdão se vê Ixion, que começara por matar o rei da Tessalida a quem prometera valioso tributo por lhe desposar a filha, mas faltara ao compromisso na manhã seguinte à noite de núpcias. De seguida intentara ainda algo mais inaceitável para Zeus: tentara-lhe seduzir a esposa, Hera.  Juntamente com tantos outros, Ixion é um dos muitos condenados, que ecoam as súplicas num coro lúgubre abafado pelos níveis mais superficiais do Inferno.
Tártaro é, pois, o tipo de sítio particularmente quente e animado, ainda que inadequado para passar uma mesmo que curta temporada...

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