quinta-feira, julho 06, 2017

(DL) Viver depressa, sempre de forma excessiva

“Os loucos,  os marginais, os rebeldes, os anticonformistas, os dissidentes, todos quanto vêm as coisas diferentes e não respeitam as regras. Podem-nos admirar ou desaprovar, glorificar ou denegrir. Mas não os podem ignorar. Porque mudam as coisas. Inventam, imaginam, exploram. Criam, inspiram.  Fazem avançar a Humanidade. Onde alguns veem a loucura, nós vislumbramos o génio.  Porque só os suficientemente loucos para acreditarem na possibilidade de mudarem o mundo a sério, o conseguem”.
Quando li «Pela Estrada Fora» pela primeira vez não fiquei particularmente fascinado com a escrita de Jack Kerouac. Como aliás nunca me entusiasmaram os demais escritores da beat generation, mesmo reconhecendo a Allan Ginsberg uma forte capacidade de indignação com o que de pior podemos identificar no universo simbolizado pelo tio Sam.
A estrada e a juventude eram temas que me eram caros, porque significavam descoberta e ânsia de liberdade. Mas quando  vinham embrulhadas numa intenção mística, já as coisas começavam a virar para o torto.
Outra matéria em que me sentia dele distanciado era a ligação à mãe. Apesar da que lhe coube em sorte o ter marcado com a frase assassina de lhe dizer, preto no branco, quanto teria sido preferível vê-lo morto a ele em vez do irmão Gerard, tido como muito mais inteligente e bonito.
No resto dos seus anos de vida essa mãe tentaria compensá-lo do momento inesquecível, dando-lhe todo o apoio no esforço para se tornar escritor. Enquanto o pai o desaprovava - apesar de ter sido um apaixonado do teatro como hobby do seu ofício de tipografo! - a progenitora acolhia-o de braços abertos sempre que regressava das expedições, teso que nem um carapau. Apesar de o preferir na pele de um agente de seguros, conformou-se com o seu afã literário e com os detestáveis amigos: Ginsberg porque era judeu, Cassidy por ser um bandido.
Até se julgar dotado para as letras Kerouac tentara conhecer melhor as origens, que remontavam a emigrantes bretões decididos a procurar melhor vida no Québec em meados do século XVIII. Leu os grandes escritores americanos e franceses, estimulado por uma bibliotecária da escola, que o convenceu do talento para contar histórias.
Foi só quando o pai morreu, em 1946, que testou o gosto pelo movimento, iniciando as suas viagens pelos EUA. À mãe, católica integrista, convenceu-a de que o motivava a descoberta da face escondida de Deus. O álcool e as drogas em excesso já eram «ferramentas de trabalho», porque julgava-as capazes de alavancarem o seu lado extrassensorial. O convívio com delinquentes ia na mesma linha de pensamento, apesar de o sujeitar a um breve período de prisão acusado de cúmplice num caso de estupro e homicídio cometido por um dos seus amigos de circunstância. Bissexual, preferia o sexo puro e duro com prostitutas negras.
Porque viveu intensamente, sendo essa a estratégia para traduzir o seu vivenciar numa prosa espontânea, frenética, automática, ao ritmo das improvisações do seu amado jazz - sobretudo se interpretado por Lester Young ou Charlie Parker! -, Kerouac esgotou a existência num ápice morrendo aos 47 anos, esgotado por todos os excessos a que se entregara.

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