quinta-feira, julho 06, 2017

(S) A tentação de Adão

A exemplo do que sucede com a música de Johann Sebastian Bach, pouco me importam as motivações de Arvo Pärt para compor as suas peças musicais. No que à música contemporânea diz respeito, ele só é superado no agrado, que me suscita, pelas obras de Philip Glass.
O que fascina nestas composições é o espaço dado à quietude. Há quem refira isso mesmo, enfatizando-lhes o misto de beleza, de pureza e desse silêncio.
As notas são tocadas e ficam a reverberar naquele hiato entre a interpretação de cada uma delas e a seguinte. Como se dessem espaço à reflexão, à abertura de um canal para essa coisa estranha a que sou tão avesso: a espiritualidade.

No caso de «Adam’s Passion», ele procurou traduzir em sons o «pecado» do primeiro homem traduzido na invectivação a Deus por lhe ter dado a mulher e ela o ter tentado com a maçã. Não seria ele, na sua fraqueza, o culpado da expulsão do Jardim do Paraíso, mas o Criador, que o sujeitara a tão incontornável impulso. Depois, Bob Wilson, o superlativo encenador norte-americano, deu-lhe um suporte visual espantoso, que só potencia os efeitos íntimos gerados pela própria música.
No fundo, se o trabalho de Pärt já sugestionava miraculosamente a audição, a conjugação com o impacto visual da deslocação dos atores-bailarinos em palco, exponencia o efeito. Daí que constitua, por certo, uma das obras-primas desta década...



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