segunda-feira, julho 17, 2017

(DL) Um suicídio em ambiente buñueliano

Pode o suicídio banalizar-se de forma que as famílias se reúnam para receber tal notícia com a maior das naturalidades e até a festejem devidamente, saudando calorosamente a decisão de quem se propõe a tal? Esse é o tema da peça «Um Forte Cheiro a Maçã», que integra o primeiro volume de «Teatro» de Pedro Eiras.     
Não faço ideia se o autor teve essa influência subjacente, mas senti algo de Buñuel no ambiente marcado pelo encontro das várias gerações de uma família, onde o afeto é aparente, por esconder sentimentos menos meritórios, que acabam por gerar tensões contidas até à iminência do agressivo confronto verbal.
Janta-se, veem-se as estrelas candentes por entre as nuvens do céu, e há uma verbosidade constante, que impede o estabelecimento de um singelo momento de silêncio. Como se as personagens tivessem horror ao vazio e devessem encontrar nas futilidades, mas também nos subtis reparos, a estratégia para omitirem o óbvio: pouco as liga, de facto, para além dos vínculos familiares, que nutrem entre si. Existem pais, filhos, um neto, tios, sobrinhos, genros, noras, primos, ou seja toda a diversidade de elos possíveis entre gente que respeita a convenção de se obrigarem a suportar entre si. Há também - como elemento perturbador por excelência - a jovem Verónica, amiga da família, mas sobretudo da irmã do suicida, que apesar de ter presente o namorado, não deixa de lhe aceitar o assédio explícito para a concretização da satisfação sáfica. Existem, pois, opções sexuais por revelar, bem como fantasias eróticas, evidentes nos olhares e mais comedidas nas palavras.
No final, é com toda a naturalidade, que Madalena segura no colo o corpo suicida de Elias, qual Pietá a cumprir o desiderato anunciado. Pelo meio ficam implícitas questões tão pertinentes como a desesperança dos jovens quanto ao futuro, o crepúsculo das grandes causas sociais e políticas, ou as dificuldades nos diálogos intergeracionais.
A exemplo do que lhe temos conhecido nos romances, Pedro Eiras sugere-nos pistas de reflexão a partir do retrato banal do quotidiano de personagens bem mais complexas do que gostariam de transparecer.


Sem comentários: