quarta-feira, julho 12, 2017

(DIM) A desolação da paisagem sem vivalma

Temos poucas oportunidades para ver cinema latino-americano só nos aparecendo de longe em longe algumas propostas, quase sempre mais interessantes do que a maioria das outras, que vão sendo projetadas nos ecrãs nacionais.
O cinema argentino tem tido a capacidade de abordar as grandes questões existenciais - o amor, a vida e a morte - contextualizando-as no ambiente político em que são vividas. Amiúde está lá, mais ou menos explicitamente, o terrível período da ditadura militar, quando ser de esquerda significava a forte probabilidade de se ser torturado e assassinado.  De súbito, e sob a supervisão de consultores norte-americanos, que formaram milhares de sicários no Panamá, famílias normais, apenas desejosas de verem melhorada a qualidade de vida dos compatriotas, tornaram-se inimigos públicos e viram-se forçados a fugir para exílios exteriores  ou interiores.
«Kamchatka», de Marcelo Piñeyro, estreou-se em 2002 e tem dois excelentes atores como protagonistas: Ricardo Darin e Cecilia Roth, que interpretam os papéis de pais do miúdo por quem começamos a entrar na história, revelada na primeira pessoa. Se as primeiras imagens têm a ver com a sua génese - o espermatozoide paterno no útero materno - depressa entendemos a época relatada pelo miúdo: a mãe vai busca-lo à escola em horário incomum e veem-se obrigados a passar por barreiras do exército, que andam a procurar eventuais «subversivos» e os encaminhar para os lugares de martírio. Por isso partem para sul ao encontro das lindíssimas paisagens patagónias, cujas enormes extensões sem vivalma metaforizam a solidão a que se viram subitamente condenados.
Kamchatka será o sítio, longe de tudo, onde procuram evitar o que parece ser inevitável. É onde se pode continuar a resistir. Longe de tudo, como se se vissem no arquipélago russo no Extremo Oriente,  a família muda de nome, sem conseguir eximir-se ao medo. O amor está sempre presente, mas a ameaça nunca se dilui. E o final aberto deixa-nos duas certezas: nunca mais o miúdo irá reencontrar os pais, que vê desaparecerem numa longa estrada deserta, mas saberá receber o testemunho dos valores por que valerá a pena continuar a defender.

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