sábado, julho 29, 2017

(DL) O determinante encontro de Le Clézio com o México

Em 2008 a Academia Sueca deu-me a alegria de ver consagrado um dos escritores, que mais aprecio: Jean-Marie Gustave Le Clézio. Os livros que dele li causaram-me tal impacto, que ainda não sei se me surpreenderam pela poesia, pela revisitação dos mitos e tradições de populações incólumes aos ritmos e vícios da sociedade ocidental, ou pela reafirmação dos valores de justiça, que deveriam ser os nossos enquanto humanos. Se calhar foi pelo somatório de todos esses fatores.
Para chegar a essa destreza literária, Le Clézio muito teve de porfiar para se distanciar do inócuo experimentalismo dos anos 60, mesmo que, com «Le Procés-verbal» tenha tido precoce reconhecimento com alguns dos principais prémios literários de então.
Foi decisiva a sua viagem para o México em 1967, quando se consumara a rotura com o exército, que o pusera na Tailândia durante a prestação do serviço militar obrigatório. Indignado com o turismo sexual praticado às claras, Le Clézio revoltou-se com tal vigor, que se viu expulso e internado numa instituição psiquiátrica. É dela, que zarpa para o Estado de Michoacan, na costa do Pacífico, onde descobre uma autenticidade, que lhe devolve a crença na utopia, porque vê homens e mulheres imbuídos de um natural espírito de entreajuda. Pertenciam à tribo dos purépechas, que tinham resistido eficientemente à aculturação imposta pelos colonizadores espanhóis e pelos que se lhes tinham sucedido.

O escritor aprende-lhes os segredos da língua possibilitando-lhe longas conversas com os anciãos e anciãs, que lhe dão a partilhar muitas das suas histórias e tradições.
Rendido àquele ambiente, que nada tem a ver com uma Europa a contas com os efeitos da revolta de Maio de 68, Le Clézio compra uma casa a 150 quilómetros da capital do Estado, pertíssimo de paisagens como nenhumas outras: ciprestes mergulhados nas águas de um lago, donde emerge igualmente um campanário de antiga igreja. Mais adiante, no percurso da lava de um vulcão, outra igreja quase soterrada pelas cinzas. Nesse retiro distante de tudo, Le Clézio pode imitar os vizinhos índios, contemplando as nuvens do céu e as estrelas ao cair da noite.
Quando lhe apetece maior convívio vai até Santa Fé de la Laguna, onde as pessoas estão organizadas num modelo social aparentado ao comunismo primitivo. Não admira que venha a caracterizar o México como o sítio onde tudo é possível...


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