segunda-feira, julho 10, 2017

(DL) O entusiasmo do escritor perante a Revolução

A Revolução de Outubro de 1917 exerceu uma enorme curiosidade em Stefan Zweig e muitos outros escritores europeus do seu tempo. Isso é evidente em «Le wagon plombé», pequeno livro agora publicado pela Payot e que integra o texto homónimo além de dois outros, que o complementam.
No primeiro está em causa a viagem iniciada em 9 de abril de 1919 por Vladimir Lenine entre Zurique, onde estava exilado, e à Finlândia, donde lhe seria mais fácil chegar à Rússia agitada desde fevereiro, por uma revolução que pusera temo ao regime czarista.
Zweig começa por contextualizar a época, com Lenine a passar completamente despercebido numa cidade suíça onde não chegavam a trinta as pessoas que o conheciam. No meio de uma Europa em guerra atroz, aquela era uma pequena ilha de paz, onde  aprofundava os estudos filosóficos e políticos, aferindo a visão quanto à evolução dos acontecimentos no seu país. Era um homem aparentemente banal, que iria adquirir indelével protagonismo nos iminentes dez dias que abalariam o mundo. O que fascina o autor é a forte probabilidade de, contra ele, se terem obstado constrangimentos, que o impedissem de cumprir o papel histórico, Que não o conseguiram manifestamente travar.
O texto seguinte, «Viagem à Rússia», é mais longo e reitera a posição ideológica do autor, que aderiu entusiasticamente à nova realidade bolchevique, muito embora não deixasse, aqui e além, de sugerir algumas reservas.
Na ressaca de um périplo pela realidade revolucionária, Zweig constata que “a Rússia continua a ser totalmente incomparável!”. E acrescenta: “As principais questões ligadas à estrutura social e intelectual impõem-se, imparáveis, a cada esquina, conversa ou encontro. Sentimo-nos permanentemente ocupados, interessados, excitados, apaixonadamente motivados pelo entusiasmo e a dúvida, o espanto e as reservas.”
Complacente com as prateleiras vazias nas lojas ou os prédios decrépitos, Zweig ajuíza ainda não ter havido tempo nem recursos  para corrigir o que falta, elogiando a sobriedade do que se pode consumir. Porque, em compensação, há o Kremlin. a Praça Vermelha com o mausoléu de Lenine, os museus, o teatro popular e o idealismo dos jovens artistas. Aqueles que se dizem prontos a sacrificar o conforto pessoal em proveito dos interesses coletivos.
Em Gorki encontrou o que de melhor estaria a emergir de uma “Rússia saída das entranhas do próprio povo.”  Visitou a seguir o castelo de Tolstoi, conhecendo-lhe a filha e recolhendo-se, humildemente, junto ao túmulo do admirado escritor.
No final desse périplo, Zweig confessa-se rendido pelo entusiasmo popular em torno de um ideal, quinze anos depois dele se ter tornado bandeira do regime.
O terceiro texto é uma reflexão sobre Maximo Gorki, que promove como porta-voz e símbolo do povo russo na marcha triunfal liderada pelos bolcheviques. Escrito em 1931 o texto é um fervoroso elogio à revolução e ao povo que “silenciado durante mil anos, se pôs agora  a falar”.
Gorki cumpriria o papel, que se espera dos poetas e dos artistas durante o processo transformacional das relações de forças entre as classes sociais.
O livro agora publicado permite-nos constatar quão entusiástica era a intelligentsia europeia à promessa utópica vinda de Leste. Não tardaria, porém, a acontecer um doloroso divórcio, quando visitantes ulteriores começavam a dar conta de um crescente falhanço, suscitado pela incompetência dos homens, por muito que se acreditassem imorredoiras as ideias.

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