segunda-feira, julho 31, 2017

(AV) Piscinas e canyons

Em 1964, na primeira vez que esteve em Los Angeles, David Hockney ficou deslumbrado. Era abissal a diferença entre a luz brilhante ali descoberta e a cinzentude da britânica Bradford onde nascera e crescera. Ademais para ele, que se sentia homossexual mas tinha medo de o assumir por causa da severa proibição no seu país, constatava nas praias californianas a permissividade dos avanços aos corpos concupiscentes de garbosos surfistas ou nadadores-salvadores.
Ele não arriscou, de imediato, a mudança, mas após alguns regressos, acabou por fixar ali, em Santa Mónica, a sua casa. Com uma vantagem não desprezível: sentindo-se a muitas milhas de distância dos museus mais próximos sabia-se imune a influências excessivas, avançando para o seu próprio estilo.
Começou com as piscinas, que lhe lançavam um desafio entusiasmante: como filmar a água? Como pintar algo transparente? A resposta estava em realçar nela os reflexos da luz, as ondulações a agitarem a superfície. E, quando o tema parecia esgotado, o famoso «A Bigger Splash» dava conta da perturbação causada pelo movimento mais brusco de um corpo a rasgar o espelho líquido.
Em 1978, Hockney mudou de casa para os canyons dos arrabaldes da cidade dos anjos e o resultado viu-se no ciclo seguinte: ao deixar o atelier  em Santa Mónica, Hockney obrigava-se a percorrer diariamente nos dois sentidos a estrada entre casa e o local de trabalho. As curvas do trajeto reproduziram-se nas telas, com a perspetiva da urbe captada a partir do topo da Mullholland Drive a aparecer com idêntica regularidade. E, porque o fascinava o testemunho orográfico de grandes convulsões telúricas de épocas pré-históricas, arriscou-se a uma enorme pintura de 7 x 2 metros tendo como motivo o Grand Canyon.
Há, porém, quem veja na obra do artista uma ausência imperdoável: estão lá as moradias luxuosas de Bel Air ou de Beverly Hills, com uma arquitetura arrojada e as suas glamourosas piscinas, mas onde param os criados, os jardineiros e outros laboriosos oficiantes, que lhes garantem a aparência de perfeição? É esse o projeto do mexicano Ramiro Gomez, que utiliza os motivos de Hockney e os completa com tão imprescindíveis colaboradores. E, convenhamos, que os quadros ficam assim com um sentido bem mais interessante...

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