domingo, junho 25, 2017

(DL) A propósito de sonhos e de sonhadores

José Eduardo Agualusa considera que a memória é uma paisagem vista da janela de um comboio em movimento. Ora esse tipo de viagem contemplativa dá igualmente azo ao sonho. Olhamos para as planícies e as montanhas, mas a mente emigra para recônditas profundezas, onde se encontram tantas inquietações, frustrações, ou aspirações. A Revolução - aquela com erre bem grande à medida das nossas conceções de Utopia - acolhe-se algures nesses esconsos íntimos. E é  neles que o escritor encontra, amiúde, a matéria de que se irão fazer as suas ficções.
Agualusa explica a escrita como a busca do entendimento, da indagação do que poderá vir a suceder. Por isso os seus personagens surgem tentados a empreender as mudanças, a protagoniza-las, mas a cobardia, o cansaço, também os pode conduzir ao desânimo, ao distanciamento. Pior será - e, infelizmente, sucede com muitos! - se acabam por se entrincheirarem no outro lado.  Até porque muitos terão chegado à  primeira fila da História por mero acidente, empurrados por uma onda que nem sabem bem como nela se puseram a jeito.
Porque considera ser seu dever cívico tudo questionar, Agualusa cria personagens eivados de contradições, como esse Daniel Benchimol, que foi buscar à «Teoria Geral de Esquecimento» (romance que acaba de ser premiado em importante galardão irlandês) e agora é protagonista de «A Sociedade dos Sonhadores Involuntários». Escrevendo no «Jornal de Angola», tornou-se especialista em desaparecimentos, quer de pessoas, quer de avultadas quantias do Estado. A curiosidade irá obviamente metê-lo em sérios trabalhos, perdendo a família, a comodidade e o emprego.
Além dele outras vozes se chegam à frente, aproveitando Agualusa para lhes colar estilos de escrita diversos. O resultado é uma contundente crítica ao regime angolano que, utilizando uma expressão de Mia Couto, sujeita o povo a viver o presente como um  tempo, que lhe não pertence. “Porque este é um presente que não nos deixa estar presentes.”
A alternativa acaba por ser o sonho, até porque, segundo o neurologista do romance, “sonhar é ensaiar a realidade”.
Voltando a Mia Couto, como não lhe dar razão, quando diz de Agualusa, que ele pratica uma arqueologia às avessas para descobrir vestígios do futuro no tempo que acreditamos ser do passado”?


Sem comentários: