terça-feira, junho 13, 2017

(DIM) Uma família disfuncional

A célebre frase de Tolstoi no início de «Anna Karenina» ganha todo o sentido na história da família Vuillard, que Arnaud Desplechin filmou no seu «Conto de Natal»: se vimos tantos filmes românticos em que as famílias felizes pareciam todas oriundas do mesmo padrão, os que optam por as representar fracassadas dão-nas como diferentes, cada uma à sua maneira.
A disfuncionalidade familiar é tema sempre atrativo. Há quem entenda as famílias como verdadeiros terrenos bélicos, onde todos os ódios se parecem concentrar. Neste caso específico a dimensão desse abismo não vai tão longe, mas quase ninguém parece ter um verdadeiro apreço por quem tem ao lado. Porque existem ciúmes entre uns e outros, incómodos só de terem de partilhar o mesmo espaço, a incapacidade de trocar algumas palavras sem lhes colarem uma qualquer forma de agressividade, quase sempre pueril.
Sem percebermos bem porquê Elizabeth acede a pagar as dívidas do seu falido irmão na condição de não tornar a sentir-lhe a presença por perto. Junon, a matriarca, nunca conseguiu amar os filhos, mesmo que agora deles precise para sobreviver com a medula de qual deles se revelar compatível. Ivan ama profundamente a mulher, Sylvia, mas não pode impedi-la de se deitar com o primo Simon, depois de a já ter sabido na cama do irmão Henri. Pelo meio há doenças mentais, melancolias incuráveis, álcool excessivo e muitos motivos para todos se irem agredindo com as palavras equivalentes aos sentimentos ambíguos, que se suscitam.
Mas o embrulho - uma reunião de toda a família pelo Natal, com ida à missa do galo - não deixa de ser o mais convencional possível. No contínuo paradoxo entre o que entendemos como normalidade e o que se traduz em frequente trapalhada, vamos sentindo alguma perplexidade, porque ora ali vemos emoções com que nos possamos identificar, ora nos espantamos com o desenvolvimento para que tendem, tão dissonantes do que sentiríamos credível.

Sem comentários: