O que terá visto Natasha em Rafael Ampar para deixar para trás um marido e as filhas e segui-lo para a Abkhazia, onde ele é Ministro dos Desportos? Antigo herói na guerra contra os georgianos, é agora um velho desencantado com a incapacidade de o seu pequeno país, com apenas cem mil habitantes, sair da abulia contraída com o silenciar das armas.
Quão longe ficaram os dias soviéticos, quando milhares de russos afluíam ali a Sukhumi para as férias de verão nas margens do Mar Negro. A perestroika terá sido para todas aquelas pessoas um interminável mergulho na pobreza.
O modelo do passado mantém-se: Rafael esforça-se por organizar campeonatos de futebol, mas são mais os jogadores em campo do que os espectadores nas bancadas. Nas escolas procuram-se ginastas talentosos, mas os candidatos são incrivelmente toscos. Descoroçoado, Rafael só pode levar as mãos à cabeça.
Em desespero de causa organiza um Campeonato Mundial de Dominó, mas os desastres sucedem-se: o desfile inaugural dos participantes é perturbado por copiosos aguaceiros, os militares da parada não podem ser mais desajeitados e ainda os primeiros jogos estão a começar e já toda a sala mergulha às escuras, porque os cortes de energia são frequentes.
É nesse marasmo, que Natasha vai sucessivamente cair na melancolia, apesar de lhe estar a crescer o ventre com a criança resultante da sua nova relação amorosa. Na Rússia perspetivava uma carreira de soprano, que estava a ganhar aceleração quando conhecera Rafael. Em Sukhumi nada a ocupa: o ambiente xenófobo priva-a de arranjar emprego ou de ser integrada na família do marido. A solidão torna-se fardo demasiado pesado, que a leva a regressar a Rostov para ter a filha.
Algumas semanas passadas está de volta com as filhas, a de Rafael e a que, apesar de enteada, manifesta uma ligação afetiva forte por ele. E a surpresa é constatarem como ele se empenhara em pintar e redecorar a casa, transformando-o num ninho sem comparação com a confusão anterior.
Apesar das dificuldades, talvez Natasha, Rafael e as filhas consigam ser felizes. Por ora mais não são do que exemplos das dificuldades vividas por quem privilegia o amor aos preconceitos étnicos, que diabolizaram a antiga União Soviética e causaram tão cruéis guerras. Eis os personagens de «Efeito Dominó», documentário de 2014, assinado por Elwira Niewiera e Piotr Rosołowski.
Sem comentários:
Enviar um comentário