segunda-feira, junho 05, 2017

(DL) «O Fim do Homem Soviético» de Svetlana Alexievich

Demorei a chegar à escrita de Svetlana Alexievich apesar do reconhecimento do Nobel. O Fim do Homem Soviético é tema, que me interessa e ao mesmo tempo incomoda, porque ainda sinto alguma orfandade pelo desaparecimento da grande ilusão escondida para lá do Muro de Berlim antes de 1989. Porque quando ali estive, no tempo de Brejnev, encontrei um mundo em que não gostaria propriamente de viver, tão óbvia era a diferença entre a escassez de oferta nas suas lojas e os atrativos hipermercados franceses, já que aqui ainda eles estavam por chegar. Mas havia algum fascínio por cirandar nas ruas de Tuapse durante o dia e ouvir os acordes de sonatas ou concertos interpretados pelos estudantes de música na sua Academia. Ou ouvir quem assumisse saudades de Estaline desqualificando ao mesmo tempo o sucessor de Kruschev. Esses e outros vivenciares davam-me a sensação de existir um contraponto a tudo quanto de negativo me bombardeavam continuamente ao ouvido, para diminuir a antipatia pelo primado da exploração do homem pelo homem.
Nesse passado sabia de sobra, que testemunhava uma experiência falhada, algo muito distinto do previsto por Marx, mas ainda ansiava pela redenção, pelo regresso ao trilho certo, aquele que reconduziria aquela sociedade complexa até aos prometidos e cantantes amanhãs. Até porque alguns belíssimos títulos da Mosfilm, desde os tempos de Dovjenko, Pudovkin ou Eisenstein propunham utopias, que haviam servido de modelo para a transformação da realidade nesse sonho soviético.
O que a escritora bielorrussa me faculta é o testemunho dos que viveram essa transição do regime fossilizado para um capitalismo, recebido com expetativa, mas depressa causador de grande desilusão e de muito maior sofrimento. Porque se, anteriormente, a liberdade significara esperança numa desconhecida felicidade sem medos de purgas, de perseguições, a trazida pela realidade pós-perestroika passara a significar a imprescindibilidade de ter dinheiro, muito dinheiro, para se conquistar o direito a sobreviver. Como não recordar o testemunho daquele engenheiro de uma fábrica de material de guerra, que recebera com entusiasmo as propostas de Gorbatchov, e depois perdera emprego e estatuto social, quando ela se reciclou em montagem de máquinas de lavar roupa? Quantos usufruíam uma qualidade de vida satisfatória para os padrões do regime em que viviam e se viram obrigados a vender tudo quanto tinham em casa para aguentarem mais algum tempo antes de se decidirem pelo suicídio ou pelo recurso das sopas dos pobres?
Svetlana não encontra gente mais feliz do que poderia encontrar antes de toda essa transformação. Pelo contrário encontra os saudosos de um passado em que se lia muito, se discutia muito, tendo por espaço de tertúlia as cozinhas, ao mesmo tempo salas de estar e de jantar, ou de cenáculos para tudo questionar. No fundo acabavam por reconhecer que esse era tempo de fruição de muito maior liberdade...

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