sexta-feira, junho 23, 2017

(DL) As histórias do adolescente Truman Capote

Li «A Sangue Frio» há mais de quarenta anos e esse relato sobre as circunstância em que dois pobres diabos matavam cruelmente uma família do Kansas deixou-me uma impressão muito forte, nunca mais esquecida. No entretanto vi o filme e acompanhei a polémica sobre o oportunismo do escritor, que teria subentendido aos homicidas a possibilidade de os livrar da condenação à morte, na condição de tudo lhe contarem - os factos e o que haviam sentido -, e nada fez para lhes evitar o expectável desiderato.
Fui, igualmente, lendo alguns livros de contos, que denotavam a sua inegável tarimba, mas nunca me chegaram verdadeiramente a entusiasmar. No fundo dava razão aos críticos, que viam Truman Capote como um escritor capaz de uma obra-prima inquestionável, mas incapaz de reencontrar a epifania, que a possibilitara. Talvez porque o gosto pela vida social e pelo álcool o privassem da ambiência criativa em que melhor explorara o talento. E se ele era real!
Aos 16 anos Capote publicou na revista «The Green Witch» um conto intitulado «A Encruzilhada», que dá bem conta do seu engenho: dois vagabundos param para arranjar um parco jantar ao ar livre, permitindo-nos  conhecer o quanto são opostos: Jake é imponente e vigoroso, Tim é um jovem delicado. A conversa permite-nos saber que o rapaz arranjou forma de ganhar dez dólares com que conta regressar a casa, pondo termo a uma aventura, que durara  dois anos.
Todos os diálogos e descrições criam uma tensão entre os dois personagens, connosco a imaginarmos o que sucederá: valendo-se da corpulência Jake espoliará Tim do seu «tesouro», impedindo-o de cumprir o destino de filho pródigo.  E, de facto, aproveitando a ida dele a uma quinta para trazer uma barrica com água, Jake surripia o dinheiro ao parceiro.
Quando Tim já se conforma com a triste sina, Jake despede-se dele, dando-lhe um aperto de mão, nela depositando a nota, que estivera tentado a fazer sua. No último instante possibilitara o cumprimento do sonho ao rapaz, já que ele nem capacidade já tem para o  imitar.
Este conto foi recentemente descoberto, com um conjunto de outros, nos arquivos da Biblioteca Pública de Nova Iorque, sendo publicados pela Random House sob o título de «Early Stories». Agora, a Grasset, verteu-os para francês e crismou-os de «Mademoiselle Belle».
O que se revela nos catorze textos, escritos por Capote quando tinha contava entre 15 e 19 anos, é uma espantosa maturidade e já a curiosidade pela gente simples do sul dos Estados Unidos. Quer com Tim, Miss Belle, Lucy ou Sally, somos mergulhados em universos efémeros, definidores de modos de vida e espaços que nos questionam e perturbam.

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