quinta-feira, junho 15, 2017

(DIM) Logo à noite no Cineclube Gandaia:«O Padrinho III» de Francis Ford Coppola

No final dos anos 80 Francis Ford Coppola via afundarem-se as expetativas de, através do seu estúdio American Zoetrope, concretizar um outro tipo de cinema, que não o até então vigente nos demais estúdios de Hollywood.  Títulos como «One from the Heart», «The Outsiders», «Rumble Fish», «Peggy Sue got married», «Gardens of Stone» ou «Tucker» tinham sido bem acolhidos pela  crítica, sobretudo a europeia, mas foram afundando sucessivamente a consistência financeira da empresa.
A contragosto Coppola teve de aceder às contínuas pressões da Paramount para que realizasse o terceiro capítulo do «Padrinho», depois de quinze anos passados sobre o anterior. Contava para tal com a sempre determinante colaboração de Mario Puzo na criação do argumento que sempre considerara encerrado com o final do segundo capítulo, quando Michael Corleone perdera todos quantos amara.  Mas é interessante comprovar como nesse mesmo personagem está contido o próprio Coppola, pois não é ele um homem em sofrimento, que viu fenecer a sua ideia de cinema?
No início deste «Padrinho III», Michael está completamente transformado em relação ao que fora no título anterior. Atormentado pela culpabilidade e ansiando pela salvação moral, está apostado em distanciar-se dos negócios ilícitos, que tinham enriquecido a família ao longo de sucessivas gerações, reorientando-os para o setor bancário e imobiliário. O  pior é vir a confrontar-se com a venalidade do sobrinho, Vincenzo, que considerara o mais apto para lhe vir a suceder E a violência, até então quase ausente da trama, volta a manifestar-se com a acostumada crueldade. Com uma diferença de tomo: já não é na rua que ela melhor se expressa, mas nas reuniões dos conselhos de administração ou nas pontes próximas do Vaticano.
A Igreja Católica vai aqui conhecer uma utilização pertinente ou não tivesse ocorrido  por esses anos o escândalo do Banco do Vaticano, que implicara a morte suspeita de alguns dos seus responsáveis e do próprio papa João Paulo I. A Fundação caritativa através da qual Michael pretende praticar o bem, acaba por revelar-se o exato oposto do que deveria ser.
Coppola mostra que a Igreja Católica, apesar da dimensão planetária, está corroída a partir do seu interior e ao mais alto nível. Michael que julgava encontrar nela a melhor opção para transitar na direção da luz, vê-se puxado ostensivamente para o terreno de sombras a partir do momento em que surgem problemas com um gangster do Bronx e com o próprio sobrinho, que detesta ver como namorado da sua filha Mary.
Numa autêntica tragédia com muito de operático – e assinale-se como a música composta por Carmine Coppola tanto contribui para a criação da ambiência propícia ao desenlace - Michael é o personagem dramático preso a um labirinto de onde procura obsessivamente a saída, mas não a chega a encontrar.
O facto de Anthony, o filho, recusar a condição de herdeiro, preferindo
dedicar-se à carreira de tenor, dificulta as ambições de Michael e de que maneira. Como quase sempre acontece na filmografia do realizador os seus temas principais versam a transmissão de valores (bons ou maus) através do choque de gerações e do dobrar de finados sobre uma época, que não volta mais a ser como era.
O atentado falhado contra Michael, quando assiste à primeira apresentação em palco do filho na Sicília, vai constituir a faísca, que será sucedida de diversos assassinatos. Inclusive de Mary, que recebe no corpo as balas destinadas ao pai. E, paradoxalmente, Sofia Coppola, que interpretava esse papel, viria a ser o bombo da festa de toda a crítica internacional, quase unanime na contestação do seu talento.
No final Michael está desprovido de poder, condenado a morrer sozinho. Com a dor na alma, porque não há maior sofrimento do que perder um filho. Ora, uma vez mais, este momento da estória coincide com a própria biografia de Coppola, que vira morrer o filho Gian Carlo quatro anos antes num acidente náutico. A impressionante máscara de dor de Pacino numa das cenas finais acaba por replicar a do próprio realizador nesse seu passado ainda recente.
Para tudo isto representar Coppola pediu ao diretor de fotografia, Vittorio Storaro, que utilizasse tons crepusculares  de tudo resultando o título mais ambicioso dos três dedicados a esta saga. 


Sem comentários: