sexta-feira, janeiro 02, 2015

DIÁRIOS DAS IMAGENS EM MOVIMENTO: Pastar carneiros

O DocLisboa já se tornou num dos grandes acontecimentos cinematográficos de cada ano, mas são raros os documentários, que conseguem estrear-se nas nossas salas de cinema e ter sucesso.
E, no entanto, a realidade é quase sempre bastante mais interessante do que as histórias inventadas por argumentistas e realizadas segundo os cânones dos diversos géneros cinematográficos. Um bom exemplo disso mesmo é «Inverno Nómada», um filme  de quase hora e meia sobre os quatro meses de transumância de um casal de pastores pelos campos gelados da Suíça francófona.
Acompanhados de três burros,  destinados a carregar as tendas e outro material de apoio para irem passando a noite ao ar livre, e da meia dúzia de cães muito eficientes na sua missão milenar, Pascal e Carole conduzem mais de oito centenas de carneiros pela paisagem gelada, onde a sua engorda depende bastante dos pastos escondidos debaixo da neve.
A seu modo todos são protagonistas neste filme de uma beleza indescritível como só conseguem ser os que não necessitam de efeitos especiais nem de filtros para captarem a essência da natureza.
Pascal vem da Corrèze e já cumpre este tipo de aventura há trinta anos. A ele  juntou-se Carole, uma bretã bastante mais nova, mas decidida a abandonar de vez as rotinas ligadas a empregos convencionais para aprender um  ofício de que é pioneira.
Os cães são exímios a encarreirarem os carneiros no rebanho sem se desgarrarem e acompanhamos um deles desde a fase de bebé carregado ao colo até ao início da sua formação para imitar a arte dos progenitores.
Os burros são o que deles sabemos: extremamente sacrificados como carregadores da carga colocada às costas, mas suficientemente inteligentes para seguirem na cauda do rebanho sem se perderem nem quase necessitarem de orientação.
E a própria paisagem rivaliza em protagonismo, dando-se dela a noção da transformação por que passa, que tornará cada vez mais difícil a liberdade de circulação dos transumantes futuros. Ou, em alternativa, os obrigarão a recorrer a pastagens em altitudes mais elevadas e em piores condições meteorológicas .
Humanos e animais mostram uma enorme coragem a enfrentarem as intempéries frequentes tanto mais que nem sempre conseguem encontrar florestas que sirva de abrigos dignos desse nome. Mas, aqui e acolá, também contam com a simpatia de alguns  habitantes, que lhes vêm oferecer comida ou uma bebida quente.
Mais do que um regalo visual o filme de Manuel von Stürler  homenageia uma atividade  quase extinta e extremamente rude. Não é, pois, um filme militante, até porque sem tibiezas afirma ser a marmita o destino final daqueles ovinos. Mas existe o lirismo, que tem a ver com uma forma de agricultura completamente diferente da hoje dominante, de cariz industrial. 

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