sexta-feira, janeiro 30, 2015

DIÁRIO DE LEITURAS: E quem disse que a ascensão social é possível? (1)

Em «Les Transclasses ou la non-reproduction» Chantal Jacquet explora os trajetos dos que, distanciando-se do meio social onde nasceram, parecem desmentir as leis da sociologia.
Para esta filósofa espinosista os que escapam à sua própria classe mostram tanta determinação quanto aqueles que nela ficam circunscritos.
Pierre Bourdieu desmentira em «Les Héritiers» o mito segundo o qual a escola, a educação, seriam ferramentas fundamentais para a criação de uma maior igualdade social. A relação de forças entre as classes sociais não é alterada por essa estratégia republicana, porque quase sempre o filho do burguês, burguês será, e o filho do operário em operário se tornará.
Não deixa de ser paradoxal que o próprio Bourdieu constitua uma exceção a tal constatação sociológica: nascera numa família de camponeses do Béarn, ele próprio trabalhara nos campos e, depois,  como carteiro, antes de se licenciar e iniciar o seu percurso académico.
O que ganha particular interesse nas teses de Chantal Jacquet é concentrarem-se nessas exceções à regra geral enunciada por Bourdieu. Porque não poderia aceitar explicações mistificatórias como as de uma «predestinação» ou um «golpe de sorte», decidiu analisá-las tão profundamente quanto possível.
“O meu trabalho consiste em demonstrar que não existe livre arbítrio: o destino de cada um de nós nada tem a ver com uma decisão, que se terá tomado com base na vontade. Isso é uma mera ilusão, porque não se age sem intervenção de causas nem razões, sejam elas, ou não,  conscientes. Mas não é por existir determinismo, que se tem de reconhecer uma ‘fatalidade’. Por isso procurei compreender as causas, que permitem a alguns conhecer uma mudança social, sem que se tenha verificado uma revolução.”
Nietzsche explicara que uma árvore chega tanto mais alto, quanto mais fundas forem as suas raízes. A própria Chantal Jacquet lembra que mesmo escapando-se aparentemente ao seu meio social de origem, lá bem no fundo isso não se verifica de forma tão definitiva.
Veja-se o exemplo de um filme francês com o magistral ator, que foi Michel Simon: em «La Vie d’un Honnête Homme», realizado em 1953 por Sacha Guitry, ele desempenha o papel de dois gémeos.
Albert Lacoste caracteriza-se pela presunção e arrogância de quem se fez a si mesmo para chegar ao estatuto de rico industrial. Pelo contrário Alain é um boémio, que nunca pretendeu ir além do que sempre fora.
Surpreendentemente, quando Alain morre, Albert toma-lhe o lugar por ser na sua classe de origem, que se sente mais genuíno e realizado. De um momento para o outro esboroa-se o mito do self made man, porque Albert anseia por se dissociar do tipo de valores, que implicara a ascensão social por que tanto lutara. Mas que não o fizera feliz!
No estudo das transclasses Chantal Jacquet lança a hipótese de ser a própria sociedade a necessitar de criar algumas exceções para alimentar a possibilidade de acontecer um sucesso, que está vedado à grande maioria dos seus cidadãos. 

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