Uma das razões, que me levavam a ficar irritado com os pares bem intencionados, que costumavam bater-me à porta para trazerem a «palavra de Deus», era a forma como apostavam fortemente na carta apocalítica. Algures por meados do final do milénio esse era argumento incontornável do seu discurso quadrado. Tratava-se de convencer os potenciais prosélitos a entregarem-se à possibilidade de salvação, mediante a promessa de uma redenção, que não tardaria.
Curiosamente essa era a única vertente positiva no seu discurso: a forte probabilidade de uma vida mais risonha do que a sofrida neste vale de lágrimas. Mas, precisamente, era aí que mais me incomodavam: porque é que haviam de apostar tudo num mais que improvável Além, quando poderiam lutar ativamente por esse mundo melhor nesta vida?
Eles personificavam o esplendor daquilo que constituía a máxima da religião mais não ser do que o ópio do povo.
Abordando os cenários apocalíticos dos nossos dias em «La fin du monde et de l’humanité», o ensaísta Hicham-Stéphane Afeissa conclui precisamente a quase inevitável secundarização da política, quando nos limitamos a tudo fazer depender dos cenários catastrofistas, com que vamos sendo bombardeados.
Quer olhando para os filósofos que preveem um brutal apocalipse (como Karl Jaspers), quer para quantos o perspetivam mais gradualmente (como Peter Sloterdijk), quase todos pressupõem uma interligação entre o presente e o futuro que resultará nesse desiderato.
Encontramos então três características principais nesses cenários:
a. Tomam o mundo e a humanidade na sua globalidade como única bitola de medição. Excluem-se, pois, os apocalipses à escala local, regional ou mesmo continental.
b. Todos eles decorrem de situações resultantes do recurso à energia atómica ou às mudanças climáticas, muito embora também não faltem os de origem extraterrestre (asteroides e meteoritos).
c. Enfatiza-se a responsabilidade ética para com as gerações futuras e ao tipo de planeta, que lhes legaremos.
Muito embora devamos ter em conta os fatores ecológicos como uma das principais variáveis das transformações políticas e sociais por que passaremos no futuro, o condicionamento destas aos exclusivos imperativos de tais cenários apocalíticos é algo que deveremos criticar. Passadas já várias décadas sobre o surgimento dos Partidos Verdes poderemos, sem dificuldade, constatar como eles pouco de tangível trouxeram no respeitante a evitar esses cenários sob cuja capa surgiram. Pelo contrário, eles desviaram do socialismo democrático muitos eleitores - mormente na Alemanha - facilitando as maiorias de direita.
Ora, se a esquerda deve aprender com os crimes ecológicos praticados nalguns regimes supostamente filiados na sua mundividência (o desaparecimento do Mar Aral é porventura o mais trágico!), também não pode ignorar quanto resulta do capitalismo selvagem os piores danos que vêm sendo feitos à floresta amazónica ou aos lagos canadianos próximos das explorações das lamas betuminosas.
Caberá à política - e não à rendição emotiva a qualquer cenário apocalítico - a prevenção dos males futuros, sem coartar um crescimento produtivo capaz de, com melhor redistribuição, garantir uma aproximação ao objetivo de construir um paraíso na Terra.
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