Há um pequeno pastor a juntar as ovelhas, uma mulher a contar à filha a história de Brancaflor, dois miúdos a afastarem-se na paisagem e também no tempo para alcançarem um futuro bem diferente do da sua imaginação, uma camponesa a ditar ao filho uma carta destinada ao marido emigrado em França. E uma voz off a lembrar a pobreza por que passam os aldeões, que chegaram a alimentar-se de neve no inverno precedente.
É deste tipo de cenas, que é feito «Trás-os-Montes», o belo filme de António Campos e Margarida Cordeiro, estreado em 1976, que continua a ser um dos mais importantes do cinema falado em português e produzido depois do 25 de abril. Porque, mais do que um documento etnográfico, consegue, com o seu onirismo poético, lembrar como era essa terra esquecida pelo próprio Deus.
É também um país de ausentes, pois quem pôde já zarpou para Lisboa, para a França ou para a Alemanha, deixando a paisagem austera entregue aos já demasiado velhos para se arriscarem fora dali.
A diferença para os dias de hoje é ainda então existirem crianças, que se tornaram nos protagonistas do filme sobre o qual escreveria o crítico Marcel Martin: a banda sonora não comporta quase nenhuma música mas todo o filme é uma espécie de partitura sonhadora e cativante, uma sonata para o lamento do vento e a litania das vozes, um dueto da natureza e do homem.
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